abr 022014
 

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Quem assistiu às Olimpíadas de Inverno de Sochi, na Rússia, deve ter percebido que o Brasil não tem tradição em esportes de inverno e vários atletas que já residiam e treinavam no exterior se inscreveram pelo País. No caso da patinação artística, quem representou o Brasil na primeira participação brasileira da modalidade foi a Isadora Marie Williams, americana, com mãe mineira e pai americano. Como tem dupla nacionalidade, ela pôde representar o Brasil em Sochi, mas ela já representa o País há mais tempo. Por exemplo, ela conquistou a medalha de bronze no Golden Spin of Zagreb, de 2012,  representando o Brasil. Ela terminou em 12º lugar no Troféu Nebelhorb de 2013 e com isso garantiu a vaga brasileira nas Olimpíadas de Inverno.

Nas provas de patinação artística, há um programa curto (no máximo 2 min e 50 sec) e um programa livre (4 min), e a soma de ambos dá a classificação final de cada atleta. Pelo regulamento olímpico, somente aquelas que ficarem entre as 20 melhores no programa curto podem participar do programa livre. E assim, Isadora, que sofreu uma queda no programa curto, não pôde apresentar a coreografia preparada para o programa livre, que foi baseada no tema do famoso filme “Memórias de uma Gueixa”.

De sua casa em Washington D.C., Isadora Williams, que completou 18 anos em Sochi, concedeu uma entrevista exclusiva para o site CulturaJaponesa.com.br.

1 – Você foi a primeira representante brasileira na patinação artística. Qual foi a sensação de representar o Brasil em Sochi?
Eu senti um orgulho enorme de estar lá honrando as cores da bandeira brasileira. Infelizmente, não consegui patinar com todo o meu potencial já que eu tinha condicoes de ir para as finais, mas não consegui controlar o nervosismo e fui dominada pelo “Olympic nerves”. Só de estar lá entre as 30 melhores patinadoras do mundo ja foi um grande começo e uma grande vitória para o Brasil.

2 – Sei que você não chegou a apresentar em Sochi, mas como você escolheu o tema de “Memórias de uma Gueixa”? Achei que foi uma escolha ótima para o programa longo.
Eu tenho uma enorme admiração pela cultura japonesa. O Japão está na lista dos meus paises favoritos. A escolha da música para o programa longo se deu quando eu assisti ao filme “Memorias de uma Gueixa”. A historia de Chiyo é fascinante e marcante. Ela foi vendida pelo pai que era um pescador para uma casa de gueixas. Já perdi a conta de quantas vezes assisti este filme. A trilha sonora é belíssima e foi muito premiada, ganhou o Oscar de melhor trilha sonora. Conversei com o meu treinador sobre criar o meu programa longo com a música do filme e ele aprovou.

3 – O design do quimono estilizado ficou ótimo. Quem criou o modelo?
O quimono estilizado passou por um processo de pesquisa. Eu peguei um livro japonês na biblioteca que contava a história do quimono, tinha lá uma variedade enorme de estilos, cores e desenhos. Eu moro na cidade de Washington D.C onde acontece o festival anual que se chama “Cherry Blossoms” que em japonês se chama Sakura (o festival da chegada Cerejeiras). Então me inspirei nas cerejeiras para finalizar a criação do quimono. Eu tive a ajuda da minha mãe, e de uma grande amiga que mora na Ucrânia cujo nome é Nataliia Shultz, uma excelente figurinista que fez também o meu vestido do programa curto.

4 – Vi o vídeo da sua apresentação em Zagreb 2013, que foi muito boa. Quem criou a coreografia? A sua coreografia, a roupa e a música se encaixaram perfeitamente, mas vejo que nem todos os competidores parecem seguir esse raciocínio. O fato de tudo estar de acordo com o tema escolhido melhora na pontuação?
Eu sou muito exigente na escolha da música e do figurino, é um processo complicado porque eu tenho que sentir a música, e a roupa, além de confortável, tem que ter um bom visual. A musicalidade é um dos meus pontos fortes. Sim, eu vejo isto também. Alguns competidores ficam perdidos na música ou na coreografia. A música tem tudo a ver com a personalidade do competidor. Os juízes olham muito isto, a música deve estar de acordo com a roupa e com a coreografia também. Eu tive a sorte de ter duas coreógrafas maravilhosas que me ajudaram imensamente a desenvolver uma coreografia forte e bem feita. São elas a Danielle Rose e a Natasha Timonchenko.

5 – Além do filme “Memórias de uma Gueixa”, o que mais aprecia do Japão?
Eu sou apaixonada pela cultura e culinária japonesa. Gosto muito de comer Sushi, da sopa com missô (Miso Soup), adoro a arquitetura dos templos, a biodiversidade e a mistura da era feudal com a era moderna. Até meu cachorrinho que é um Shih Tzu se chama Sachi (felicidade em japonês).

6 – As atletas japonesas da patinação não saíram satisfeitas de Sochi, principalmente a Mao Asada, em quem o público japonês depositava muita esperança. Você chegou a falar com elas?
A Mao e uma pessoa extremamente simpática, a gente sempre troca um “olá”,  no momento quando estamos focadas na apresentação. Trata-se de um momento tenso para todas nós e o que a aconteceu com a Mao em Sochi foi muita pressão, querer demais fazer uma boa apresentação e no final ser dominada pelo nervosismo. Como aconteceu comigo, a Mao também foi vitima do “Olympic nerves”, tanto que depois que ela descarregou esta pressão ela fez uma apresentação brilhante no longo, ela emocionou a todos nós. Admiro também muito a garra da Akiko Suzuki, ela é uma patinadora muito elegante.

7 – Antes da apresentação final, todos esperavam a Yulia Lipnitskaya no pódio, mas ficou a outra russa no lugar, e até houve algumas reclamações em relação à coreana Yuna Kim, que não caiu mas ficou em segundo. O que achou do resultado geral de Sochi na patinação feminina?
Eu sou uma grande admiradora da Yuna. Ela é a minha grande inspiração. Foi por causa dela que que resolvi representar o Brasil. A Adelina e a Yulia são jovens e com o tempo vão ganhar mais experiência. É tão difícil comentar algo quando o voto dos juízes é secreto, e tudo tão controverso. Apesar de não ter patinado com todo o meu potencial eu achei a minha nota muito baixa, eu acho que esse sistema deveria passar por uma revisão, eu sou a favor de que o nome do juiz e a nota sejam abertos ao público. E que a musicalidade e o lado artístico sejam mais valorizados, e que o foco não fique somente em saltos.

8 – Você carregou a bandeira no encerramento de Sochi. Como se sentiu na hora? Aquela entrada e a maneira de segurar a bandeira é ensaiada antes?
Foi como um sonho. Eu carregando a bandeira do Brasil no encerramento de Sochi. Sabe aquela sensação de caminhar nas nuvens, não foi  nada ensaiado, mas a gente tem que seguir uma regra. É uma energia muito boa segurar a bandeira do seu país e entrar num estádio lotado, é um energia muito positiva.

9 – Como é o seu dia a dia, fora das competições? É possível encontrar tempo para ler, ir ao shopping ou ao cinema, como uma jovem de sua idade normalmente faz?
Antes de Sochi eu treinava 4 horas por dia, ia para a cama cedo, as 10 horas da noite já estava dormindo, acordava cedo e às 7:30 já estava no rinque. Era isso todos os dias da semana. Agora estou em outro ritmo, o meu foco é terminar os estudos, estou no momento sem treinador e sem treinar intensamente, mas não estou fora do gelo. Eu pedi um tempo para a minha confederação, a CBDG eo presidente Emilio Strapasson para rever algumas coisas e até mesmo uma mudança de cidade e de treinador. Eu levo uma vida típica de uma adolescente da minha idade, tenho muitos amigos, adoro ir ao cinema, adoro ler um bom livro, gosto de ouvir música, de dançar e de viajar.

Jornalista: Francisco Noriyuki Sato

Todas as fotos postadas aqui são do arquivo da família da Isadora Williams e a publicação foi autorizada para este site. O vídeo é da apresentação de Isadora em Zagreb, em 2012, quando patinou sob a música do filme “Memórias de uma Gueixa”.

Para quem não assistiu “Memórias de uma Gueixa”, uma matéria bem completa está aqui.

Para quem quer saber mais sobre as gueixas, deve ler este texto em nosso site.