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Uma mudança política significativa ocorreu no que tange ao nikkei brasileiro que foi trabalhar no Japão. No dia 15 de outubro de 2013, o governo decidiu suspender a proibição do regresso dos nipo-brasileiros que receberam ajuda financeira em 2009, para voltar para casa, na ocasião da crise financeira mundial.
Naquela época, o governo japonês ofereceu ajuda ao desempregado nikkei dando-lhe uma média de 300 mil ienes para ser usada na passagem aérea para seus países de origem. Isso resultou no êxodo de cerca de 20 mil pessoas, incluindo 5.805 da Província de Aichi e de 4.641 de Shizuoka.
Embora parte desses migrantes tenha ficado verdadeiramente agradecida pela oportunidade de retornar ao país de origem para procurar uma nova ocupação, outros se sentiram insultados porque, ao aceitar o acordo, eles concordaram em não mais retornar ao Japão por um período mínimo de três anos. Isso foi visto como uma escandalosa artimanha do governo para se livrar dos trabalhadores estrangeiros cuja demanda havia diminuído.
Inicialmente, os trabalhadores foram banidos de reentrar no Japão por um período não especificado, mas depois de uma má repercussão nacional e internacional, o governo sinalizou que poderia permitir o retorno deles em três anos, dependendo da economia.
No dia 15, ao divulgar a suspensão da reentrada, o governo citou os recentes sinais da recuperação econômica. Num exemplo, o Ministro da Saúde, do Trabalho e do Bem-Estar disse que os empregos oferecidos em relação à procura têm registrado o índice de 0.95 em agosto. Isso representa um retorno ao nível anterior ao “Choque Lehman”, que causou uma queda vertiginosa na economia mundial.
“Quanto mais o governo alardeava o efeito positivo do “Abenomics” (medidas econômicas tomadas pelo ministro Abe), mais difícil ficava afirmar que a economia não era forte o suficiente para permitir a reentrada dos nikkeis”, observou Ângelo Ishi, professor de sociologia da Universidade Musashi.
Só que essa aparente concessão do governo veio com um entrave que provocou uma visível revolta dentro da comunidade nipo-brasileira. É que ao nikkei é permitido retornar ao Japão se ele tiver um contrato antecipado de trabalho de no mínimo um ano com uma empresa japonesa, o que é considerado quase impossível pela comunidade.
Giullyane Futenma, de 22 anos, diz que a maioria dos estrangeiros nessas circunstâncias pode achar um trabalho como temporário, renovando seu contrato a cada três meses. “Muitos dos meus amigos no Brasil dizem que eles gostariam de voltar aqui agora que a proibição foi suspensa, mas eles não sabem o que fazer com essas condições, afirmou Futenma”. Os pais dela ficaram na miséria quando perderam subitamente seus empregos após o colapso global de 2009 e voltaram para o Brasil.
Apesar disso, o professor Ishi acredita que a medida tenha algum mérito. Ele diz que essa condição dificulta a ação dos astutos empregadores japoneses e intermediários, que tradicionalmente fazem o recrutamento de trabalhadores estrangeiros sem ter nenhum compromisso com eles e sem se preocuparem com os contratos deles. Agora, os funcionários do governo serão obrigados a fiscalizarem os contratos e, se necessário, punir os infratores, além de garantir que o trabalhador esteja na folha de pagamento por pelo menos um ano. “Isso vai permitir que os trabalhadores comecem de novo com uma perspectiva de um trabalho mais seguro”, disse ele, que argumenta que isso sinaliza uma mudança histórica no Japão em relação aos trabalhadores nikkeis.

A bolha econômica do Japão

A aceitação oficial desses trabalhadores ocorreu em 1990, quando a lei de imigração foi revisada para garantir vistos por um período mais longo. O Japão estava desesperado por causa da bolha econômica e precisava de trabalhadores mais baratos para preencher aquelas vagas conhecidas como “3K”: “kitsui” (difícil), “kitanai”(sujo), e “kiken” (perigoso). Entretanto, o governo tomou o cuidado de não admitir que a nação precisasse de mais trabalhadores braçais estrangeiros porque os conservadores temiam que isso fosse tirar o emprego dos japoneses. Embora os oficiais do governo expliquem que a única razão para permitir o regresso desses nikkeis é que a economia está crescendo, alguns especialistas questionam a afirmação. Eles acreditam que isso tem a ver com a ação contra o governo iniciada por Futenma em maio. Futenma e muitos outros relutaram em concordar que suas famílias aceitassem tal acordo, em 2009, para usar o dinheiro e desistir da possibilidade de voltar ao Japão. Uma das conseqüências foi a separação das famílias e amigos que moravam em Hamamatsu, Shizuoka.
“Eu senti como se o governo estivesse dizendo que não precisavam mais porque nós perdemos nossos empregos. Eu gostaria de ter ficado, pois cresci e estava acostumada em morar no Japão, que eu considero minha casa”, disse Futenma, que veio para o Japão com seus pais quando tinha 7 anos.
Dois anos depois de retornar ao Brasil, ela casou-se com Lucas Futenma, que havia comprado sua própria passagem para o Brasil em 2009. Lucas retornou ao Japão em 2012 procurando emprego e pediu que sua esposa fosse readmitida no Japão, mas foi rejeitado por duas vezes.
“Dizer que aqueles migrantes estão impedidos de entrarem no Japão porque eles usaram uma verba de um projeto patrocinado pelo governo não tem qualquer base legal”, disse Ryo Takagai, o principal advogado no processo de Futenma.
Em uma inesperada reviravolta, o governo concedeu o visto de reentrada para Futenma, antes de o julgamento ser aberto. Observadores dizem que era como se o governo soubesse que seria derrotado no tribunal. Agora, os Futenmas estão reunidos e moram em Hamamatsu.
Quando o jornal The Japan Times procurou a informação, um oficial da Imigração explicou que Giullyane Futenma recebeu a permissão de reentrada porque seu estado civil mudou, e assim, a sua situação legal ficou diferente. Porém, o professor Kimihiro Tsumura da Universidade de Hamamatsu acredita que a vitória de Futenma, sem dúvida, foi o que forçou o governo a tomar essa atitude. “Eu espero que o Japão tenha aprendido a lição e nunca mais recorra a esse tipo de programa desumano, mesmo que a situação econômica piore novamente”, disse ele.
Embora Futenma tenha concordado em sair do país junto com seus pais, recebendo a ajuda do governo em 2009, muitos nipo-brasileiros de sua idade preferiram permanecer, disse Tsumura. Ele acredita que o governo provavelmente não percebe e trata os filhos dos trabalhadores como meros acompanhantes dos pais, mas é certo que eles possuem independência e sentimentos.
De fato, muitos desses jovens se manifestaram para ajudar Futenma, criando um forte clamor público que o governo não teve como ignorar. “De certa forma, esses jovens nikkeis deram um passo corajoso, mostrando que eles são totalmente capazes de tomar suas decisões e agir por conta própria”, concluiu Tsumura.

(tradução livre da matéria publicada pelo The Japan Times, edição de 15/10/2013, autor: Tomohiro Osaki)