::GINCANA POLIESPORTIVA - UNDOUKAI

Undoukai

Entre os japoneses e descendentes que vivem fora do Japão um evento em particular é referência universal. Uma atividade comunitária, que une famílias inteiras com brincadeiras ingênuas e gera algumas das melhores lembranças da infância. Francisco Noriyuki Sato e Cristiane A. Sato, consultores do CULTURA JAPONESA, explicam aos que ainda não conhecem o que é o UNDOUKAI (Gincana Poliesportiva), e aos que já tiveram a oportunidade de participar de um, falam das origens deste evento tão apreciado que continua, geração após geração, sendo realizado com carinho e entusiasmo.

O QUE É UM UNDOUKAI?

Traduzindo-se "ao pé-da-letra", UNDOUKAI significa "reunião ou encontro de esportes". Entretanto, ao contrário da conotação altamente competitiva ou profissional que têm os encontros ou meetings de atletismo, num UNDOUKAI todos os participantes são pessoas comuns, que não são necessariamente praticantes de uma modalidade esportiva específica. Sendo todos os participantes atletas-de-um-dia amadores, convencionou-se traduzir UNDOUKAI como "gincana poliesportiva".

Organizado por comunidades locais, as atividades de um UNDOUKAI são prioritariamente direcionadas às crianças, que não comparecem ao evento para testar seus limites, mas para brincar e interagir não apenas com outras crianças da mesma idade, como também com suas próprias famílias e com todo o resto da comunidade. O senso de grupo e de comunidade é fundamental para a própria existência e realização de um UNDOUKAI (afinal de contas, sem a comunidade não há como organizar e fazer o evento acontecer). Diferentemente do padrão de encontros de atletismo ou campeonatos esportivos, realizados com grande formalidade e grau de disputa, um UNDOUKAI é evento informal; um dia de fim de semana em família.

No Japão, os UNDOUKAIS são realizados em escolas, uma vez que as escolas funcionam como bases da vida comunitária e pelo aspecto prático de possuirem espaço aberto para que eventos do tipo possam ser realizados, num país onde espaço é quase um luxo. Um UNDOUKAI é um evento aguardado e organizado com grande antecedência e ansiedade pela comunidade - dos alunos aos professores e administradores da escola, das crianças aos pais. Meses antes da realização do evento, comissões são formadas para montar barracas, angariar brindes e prendas, preparar objetos e acessórios que serão usados nas atividades e definir quem atuará na organização direta no dia do evento. Poucos dias antes do evento, o campo ou terreno da escola vira um formigueiro de atividade frenética: barracas são erguidas, bandeirolas são penduradas, marcações são delineadas no chão, caixas de material são distribuidas, equipamentos de som e fios são instalados. Adultos e crianças, todos trabalham.

Na véspera, em casa, os preparativos continuam. Uma troca de roupa limpa para cada membro da família vai para uma sacola (todos vão correr, pular e se sujar para participar das brincadeiras ao longo do dia, e fica difícil enfrentar o caminho de volta para casa num carro com todos cobertos de suor e poeira). Mesas e cadeiras dobráveis são colocadas no porta-malas. Mães preparam bentõs (lanches para viagem) caprichados, suficientes para alimentar a família inteira que ao longo do dia ficará mais esfomeada ainda de tanto correr e pular, à base de onigiri (bolinho de arroz branco japonês) ou de musubi (bolinho de arroz temperado), sasami furai (tiras de peito de frango empanado), yakizakana (pedaços de peixe grelhado), tempura (legumes empanados), kyuri sando (sanduíches de pepino e maionese em pão de forma), tsukemono (conservas de legumes como nabo, cebolinhas, acelga ou raiz de bardana) e umeboshi (pequena ameixa japonesa azeda). Caixas e cestas de piquenique com comida e bebidas preparadas de madrugada ou nas primeiras horas da manhã são rapidamente levadas ao carro, e a família segue para a escola. É preciso chegar bem cedo. Embora os UNDOUKAIS comecem oficialmente às 9 ou 10 horas da manhã, filas para entrar e pegar bons lugares para se acomodar se formam às 6 ou 7 da manhã.

Como há atividades para todas as faixas etárias e ambos os sexos, é comum que parentes que morem fora da cidade, como avós, tios e primos, "engrossem" o grupo familiar no evento. Apesar da aparente simplicidade e de um ar de anacronismo que dá a impressão de que os UNDOUKAIS não mudem há décadas, a popularidade evento caiu nos anos 70 e 80, quando foi visto como algo arcaico e fora de moda. Criado no fim do século XIX - época em que a maior parte de seus participantes viviam em comunidades rurais - o UNDOUKAI passa por uma revalorização neste início de século XXI, por ser uma das poucas oportunidades do ano em que diferentes gerações de famílias, atualmente com estilos de vida urbanos e agendas cheias, se reunem para desfrutar de um dia de diversão com sua comunidade. Resistindo ao tempo, e inspirando nostalgia de uma fase em que a vida parecia mais simples e menos violenta, os UNDOUKAIS são eventos hoje bastante ansiados e procurados.

No Brasil, UNDOUKAIS são realizados em clubes ou por associações de japoneses e seus descendentes. Tão popular e antigo é o UNDOUKAI que o primeiro realizado "no Brasil" foi feito antes mesmo dos primeiros imigrantes pisarem em terras tupiniquins, pelos passageiros que estavam a bordo do navio Kasato Maru em 1908 - o primeiro a trazer oficialmente um grande grupo de imigrantes pelo acordo assinado entre o Brasil e o Japão em 1895 - que ocuparam todo o deque superior externo do navio para assistir e participar das corridas e brincadeiras. Desde então, em terra, os UNDOUKAIS passaram a ser realizados anualmente e tornaram-se uma tradição. Ao se estabelecerem no Brasil, os imigrantes sentiram necessidade de promover eventos de integração social e a realização de UNDOUKAIS foi uma escolha natural, partindo-se do fato de que, independentemente de qual região ou província vinham as famílias de imigrantes, todos conheciam e sabiam como funcionava a dinâmica de um UNDOUKAI.

Atualmente, os UNDOUKAIS são realizados no Japão no mês de outubro - especialmente no dia 10, data em que se comemora o Taiiku no Hi (Dia dos Esportes). No Brasil, os UNDOUKAIS são realizados no mês de maio. Os motivos de tal diferença de datas são explicados mais detalhadamente adiante, no ítem "A História do UNDOUKAI".

PRINCIPAIS PROVAS DE UM UNDOUKAI

Os nomes das atividades e as próprias brincadeiras programadas num UNDOUKAI podem variar conforme características da região - se a comunidade é urbana ou rural, por exemplo - mas no geral elas são realizadas quase sempre do mesmo modo: corridas individuais, em duplas ou de grupo, que exigem mais coordenação de equipe e habilidade do que força ou velocidade. E embora o evento seja visto como uma "gincana poliesportiva", pela própria descrição das provas e competições percebe-se que há mais um aspecto lúdico em tais práticas, do que um caráter esportivo propriamente dito.

- Gojyû meetoru kyõsõ (corrida de 50 metros rasos), para crianças.

- Hyaku meetoru kyõsõ (corrida de 100 metros rasos), para crianças.

- Riree (corrida de revezamento 4 X 400 metros), para adultos, masculino e feminino.

- Ninin sankyaku (corrida de 3 pernas), para crianças e para adultos. Em duplas, amarra-se a perna direita de uma pessoa à perna esquerda da outra, que abraçadas pelos ombros ou à cintura correm juntas por 50 metros.

- Geta kyõsõ (corrida de "guetá" - tamanco de madeira japonês), para grupos mistos (homens, mulheres, crianças, jovens e idosos) de 4 pessoas. Usando um par de "guetás" - apelido dado a um par de esquis de madeira rústico, com tiras largas nas quais encaixam-se os pés calçados - o grupo deve andar o mais rápido que puder sem cair por 50 metros.

- Yomesan sagashi (corrida da "procura de noiva"), para jovens solteiros, homens e mulheres. Um grupo de rapazes é formado na linha de partida, e um grupo de igual número de moças é formado na metade do percurso da corrida. Na metade da distância entre os dois grupos, cartões com os nomes de cada moça são deixados no chão. Os rapazes saem correndo; cada um pega um cartão e vai até o grupo das moças, procurando e chamando pela jovem cujo nome ele pegou. Assim que encontra seu par, ambos devem correr de mãos dadas até a linha de chegada. Há também uma versão desta corrida para idosos e crianças, Mago sagashi (corrida da "procura de netinho/a").

- Supuun reesu (do inglês "spoon race" - corrida da colher com ovo), para senhoras (mulheres casadas). Equilibrando um ovo numa colher de sopa em uma das mãos, as senhoras devem percorrer 50 metros, e chegar sem deixar o ovo cair e sem segurá-lo com a outra mão.

- Karimono kyõsõ (corrida do "empréstimo"), para crianças. Meninos e meninas correm numa pista, que tem na metade do percurso cartões com o nome de um objeto comum (caneta, chaveiro, cinto, lenço, relógio de pulso, telefone celular, presilha de cabelo, pulseira, etc.). Cada um pega um cartão e vai até amigos e familiares, pedindo emprestado o objeto citado no cartão. Assim que alguém lhe dá o objeto, a criança volta ao percurso para terminar a corrida e devolve o objeto a seu dono.

- Tsunahiki (cabo-de-guerra), misto, para grupos de crianças e grupos de adultos.

- Takara sagashi (corrida da "caça ao tesouro"), para crianças. Divide-se a distância a ser percorrida em 3 terços. A um terço da linha de partida, são colocados no chão cartões com o desenho de um objeto, a a dois terços são colocados fora de ordem cartões com o nome de cada objeto correspondente. As crianças devem sair correndo, pegar um cartão desenhado, chegar aos cartões escritos e encontrar aquele que corresponde ao cartão desenhado. Assim que achar o cartão correto, deve terminar o percurso.

- Taiya korogashi kyõsõ (corrida de pneus), para crianças e para adultos. Corre-se empurrando pneus com as mãos por 50 metros.

- Kani kyõsõ (corrida de caranguejo), para crianças e para mulheres. Em duplas, abraçadas de costas e correndo de lado, percorre-se 50 metros.

- Sakana tsuri kyõsõ (corrida da "pesca da garrafa"), para homens e para mulheres. O "peixe" a ser pescado, na prática, é uma garrafa vazia colocada em pé na metade do percurso. Varas com um barbante e um prego de pelo menos 5 cm amarrado ao meio são deixadas no chão a alguns metros da linha de partida. Cada participante sai correndo, pega uma vara, chega às garrafas e deve, a dois passos de distância, fazer com que o prego entre na garrafa. Com a garrafa presa à vara pelo barbante com o prego, o participante deve completar o percurso sem deixar a garrafa cair.

- Keisan kyõsõ (corrida do cálculo), para crianças. Cartões com uma proposta de cálculo simples sem o resultado são deixadas no chão, na metade do percurso (por exemplo, 5+3=, 7X2=, 10-8=, etc.). Munidas com um lápis, cada criança corre, pega um cartão, escreve o resultado e termina o percurso. Obviamente vence a criança que chegar primeiro com o resultado correto escrito no cartão.

- Tamaire kyõsõ (bolinhas ao cesto), para crianças. Dividem-se as crianças em dois times, que correspondem às cores - geralmente branco e vermelho - de dezenas de bolinhas de pano recheadas com retalhos, do tamanho de bolas de beisebol. Uma pessoa - de preferência com um capacete na cabeça - segura no centro do campo um grande balde instalado na ponta de uma vara ou cano com aproximadamente 4 m de altura, no qual as crianças devem durante 5 minutos jogar e tentar encestar o maior número de bolas da cor de seu time.

Brindes simples (cadernos, lápis, canetas e sabonetes para as crianças e os homens; utensílios domésticos como potes plásticos, colheres, conchas, escumadeiras e hashis longos usados na cozinha para as mulheres) são distribuídos a todos os participantes, de modo que é difícil dizer que haja perdedores. Normalmente, o grande prêmio nada mais é do que segurar a bandeirinha número 1 na linha de chegada pois num UNDOUKAI a idéia principal resume-se ao já conhecido, tão repetido, mas nem sempre corretamente compreendido e praticado jargão de que no esporte o importante não é vencer, mas participar. O que se procura neste simples evento de integração comunitária é ensinar com pequenas práticas o prazer do trabalho em equipe e o valor da vitória honesta. O como o indivíduo participa do UNDOUKAI é mais importante que o resultado que ele obtém nas provas.

Entre as provas do período da manhã e as do período da tarde há um intervalo, no qual se faz uma pausa para um almoço (a hora de "avançar" no bentõ). É comum que os participantes também aproveitem o período do intervalo para dançar o tradicional Bon Odori ("dança de finados", uma forma de dança de passos simples e relativamente lenta, de coreografia circular, bastante popular entre os mais velhos) ou ritmos mais modernos e vigorosos, como o street dance japonês (uma versão suavizada do hip hop ocidental mesclado com pop nipônico) e o Yosakoi Soran (mistura das danças folclóricas tradicionais Yosakoi Bushi da província de Kochi e Soran Bushi da província de Hokkaido com ritmos modernos do J-Pop), extremamente popular entre os jovens.

Todas as atividades concernentes ao UNDOUKAI - dos preparativos à cerimônia de encerramento no final da tarde, com os alunos em filas ou grupos no centro do campo, e familiares e professores ao redor em pé para escutar o discurso do diretor ou diretora da escola - foram concebidos para não apenas promover uma competição amigável entre estudantes, mas um senso de aproximação coletiva, envolvendo filhos com pais, alunos com professores, e indivíduos com comunidade. Este tipo de convívio antes comum no passado, quando as comunidades rurais eram compostas por famílias numerosas e necessidades do grupo eram priorizadas, no mundo moderno tornou-se raro. A influência de estilos de vida das sociedades industrializadas ocidentais, que priorizam o individualismo, alterou valores e práticas na sociedade japonesa contemporânea, que resultou no afastamento das pessoas de suas comunidades. O UNDOUKAI permite que o indivíduo tenha uma experiência ou volte a ter uma vida em comunidade, sem a qual os japoneses acreditam que uma pessoa não se sinta completa ou se realize plenamente.

25/05/2006

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