:: História do
Cinema Japonês Autor: Francisco Handa – doutor em história pela UNESP, desenvolve pesquisa sobre cultura tradicional japonesa. É monge da escola Soto Zenshu. Em 1897, platéias do Japão
tomaram conhecimento de uma nova forma de entretenimento,
através da
demonstração do sistema de projeção de
filmes da Vitascope, empresa americana
formada por Thomas Armat e pelo inventor Thomas Alva Edison. Poucos
anos
depois, o Japão já estava formando sua própria
indústria cinematográfica,
produzindo seus próprios filmes mudos, geralmente retratando
aventuras de época
e história de samurais injustiçados. Enquanto no mundo
inteiro o cinema era
mudo, no Japão os filmes eram parcialmente sonorizados com a
presença do benshi,
uma pessoa que reproduzia os diálogos do filme, interpretando as
vozes dos
vários personagens durante a projeção – uma
espécie de dublador ao vivo. A primeira grande produção
do cinema japonês ocorreu em 1913, quando o diretor/produtor
Shozo Makino
uniu-se ao ator Matsunoke Onobe para realizarem a primeira de
várias versões de
Chushingura (Os 47 Ronins). Em 1923, o grande terremoto de Tokyo
devastou os
estúdios que havia na cidade, o que obrigou o Japão a
reconstruir sua nascente
indústria cinematográfica. Depois do terremoto, além
de Tokyo, a cidade de Kyoto também se tornou outro pólo
de produção de filmes. Poucos anos depois, a
política passaria a influenciar fortemente a
produção cinematográfica. Em 1932,
militares assassinam o Primeiro Ministro Tsuyoshi Inukai e tomam o
poder de
fato no país. Em 1933, quando o Japão começa a
guerra contra a China, as salas
de cinema passam a ser controladas pelos militares e passam a exibir
filmes educacionais
e de propaganda militarista em doses massivas. O mesmo ocorre nos
estúdios, com
a intervenção de executivos de confiança dos
militares, passam a produzir
filmes que enfatizavam a lealdade do povo ao Imperador e a
priorização do
sacrifício pessoal em benefício do grupo. No
período da 2a. Guerra
Mundial, os filmes adquirem o caráter de propaganda
ideológica, tal como
ocorria na Europa, na União Soviética e nos Estados
Unidos. Com o fim da Guerra, a
ocupação americana trouxe uma nova realidade ao
Japão devastado. A Seção de
Informação e Educação Civil, ligada ao
Comando Supremo de Forças Aliadas do
general MacArthur, censurou a produção
cinematográfica japonesa em 1946 a 1950,
e determinou a destruição de 225 filmes, dos 544
produzidos durante a Guerra,
por considera-los “feudais e antidemocráticos”. A
agitação política que marcou
esse período, entretanto, não impediu que grandes
diretores e produções de
qualidade fossem feitas. Mas o choque entre a ideologia que havia
dominado o
Japão até então e os novos valores individualistas
do ocidente foram
inevitáveis. Kenji Mizoguchi foi um dos diretores que mais se
destacou no
período anterior e posterior à Guerra. Ele começou
a carreira nos anos 20 e se
especializou em retratar a mulher japonesa em seus filmes. Gion no
Shimai
(As Irmãs de Gion, 1939) fala sobre gueixas do famoso bairro de
Kyoto; Josei
no Shôri (Vitória das Mulheres, 1946) é sobre
mulheres que lutam na justiça
para ter duas carreiras profissionais; Utamaro o Meguru Gonin no
Onna
(Cinco Mulheres ao Redor de Utamaro, 1946) conta a vida do famoso
artista de
Ukiyo-e dos tempos feudais, na ótica das mulheres que conviviam
com ele, e o Yoru
no Onnatachi (Mulheres da Noite, 1948) é um retrato da vida
das prostitutas
do pós-guerra, que foi decisivo par que as leis sobre a
prostituição no Japão
fossem mudadas. É nessa fase que surge no
cenário cinematográfico japonês o diretor Akira
Kurosawa, que faz sua estréia
em 1943 com Sugata Sanshiro (Sugata Sanshiro – Uma Saga do
Judô). Com
suas produções posteriores, Kurosawa ganhou popularidade
na Japão,
desenvolvendo histórias onde o bem e o mal não são
claramente definidos e
iniciando uma longa parceria com o ator Toshiro Mifune. Em Waga
Seishun ni
Kuinashi (Não Lamentamos Nossa Juventude – 1946) uma jovem
tem sua vida
mudada pelos fatos políticos da época anterior à
Guerra e o homem que ela ama
morre na prisão; em Yoidore Tenshi (Anjos Bêbados,
1948) o ator Toshiro
Mifune faz um gângster que sofre de tuberculose e se torna amigo
de um médico
alcoólatra; em Shizukanaru Kettô (O Duelo
Silencioso, 1949) Mifune é um
médico que pega sífilis de um paciente durante uma
operação e se vê obrigado a
se afastar da mulher que ama, e em Nora Inu (Cão
Perdido, 1949) Mifune é
um detetive que tem sua arma roubada, é acusado de um crime que
não cometeu e é
obrigado a entrar no submundo para pegar o verdadeiro bandido, numa
história
real. Em 1949 o mercado
cinematográfico japonês estava recuperado e em
crescimento. Cerca de 2 mil
salas de cinema estavam em funcionamento no país e quatro
grandes estúdios
dividiam a maior parte da produção e
distribuição de filmes: Toho Shochiku,
Daiei e Shin Toho (atual Toei). A Daiei era especializada em filmes
militares,
mas com a ocupação americana, mudou sua temática
para violência e sexo. A
Shochiku sobreviveu com comédias, vindo a desenvolver a partir
dos anos 50,
populares filmes de yakuza (gângsteres japoneses) e
musicais. A Toho
especializou-se em filmes de época, assim como a Toei, que
principalmente a
partir dos anos 50 ganhou mercado com dramas de samurais. 1951 foi o ano em que o
ocidente “descobriu” o cinema japonês através de Rashomon
(Rashomon,
1950), dirigido por Kurosawa. Premiado com o Leão de Ouro no
Festival de Veneza
em 1951 e com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1952, Rashomon
é a
complexa narrativa de quatro versões contraditórias do
mesmo incidente: o
encontro violento numa estrada de um bandido (Mifune) com um samurai e
sua
esposa, e de um lenhador que passava lá por acaso, que vê
o que ocorre. Filmado
em preto-e-branco, Rashomon trouxe
técnicas inovadoras de narrativa para
a época, que foram posteriormente imitadas por vários
diretores no ocidente. Depois
de Roshomon, Kurosawa é cada vez mais reconhecido no exterior e
passa a
produzir para esse mercado, mas surgem outros diretores com propostas
diferentes no Japão. O sucesso no exterior de Roshomon
deu a Kurosawa uma grande liberdade artística perante o sistema
de estúdios e
de produção cinematográfica no Japão, coisa
que ainda hoje a maioria dos
diretores não têm. Isso logo se refletiu em seus filmes
seguintes. Ikiru
(Vivendo, 1952), numa ótima atuação do ator
Takashi Shimura, conta a história
de um funcionário de meia-idade que descobre que está
condenado pelo câncer e
que sua vida até então, tinha sido vazia. Shichi Nin
no Samurai (Os Sete
Samurais, 1954), premiado com o Leão de Prata no Festival de
Veneza, é uma
aventura de um bando de samurais, cada qual com sua personalidade bem
definida
e aparentemente não tendo muito em comum entre eles, que se
tornou o filme mais
popular de Kurosawa – e traz Mikune muito bem num incomum papel
cômico. Em 1959, Kurosawa cria sua
própria produtora e dá continuidade a uma carreira
ascendente, numa fase onde
se destaca o filme Yojinbo (Yojinbo, o Guarda-Costas, 1961). Em
1965, Kurosawa
é agraciado com o Prêmio Asahi de Cultura e em 1967 ele
anuncia em conjunto com
a 20th Century Fox a produção de um filme sobre o ataque
japonês a Pearl Harbor
em 1941: Tora! Tora! Tora!. Esse projeto, entretanto, foi muito
criticado e não chegou a ser realizado. As pressões
contra o projeto obrigaram
Kurosawa a anunciar o cancelamento do filme em 1969. Apesar desse
problema,
Kurosawa lança em 1970 seu primeiro filme colorido: Dodeskaden,
um
título onomatopaico que imita o som de um trem em movimento.
Nessa época, aos
60 anos, Kurosawa já estava sofrendo de depressão, que se
agravava com
problemas para conseguir alto financiamento para seus projetos,
chegando a
tentar suicídio em dezembro de 1971. Sua recuperação se deu
através do trabalho. Encontrando inspiração para
um novo filme, em 1975,
Kurosawa lança Dersu Uzala, a história de Dersu,
um caçador da Sibéria
do século XIX, que é contratado por Arseneiv,
líder de uma expedição, iniciando
uma relação na qual o caçador ensinará ao
líder o verdadeiro significado da
vida. Dersu Uzala foi premiado com a Medalha de Ouro do
Festival de
Moscou e com o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em 1976 – um efeito
inigualado
nos tempos da Guerra Fria. Em 1980, após dez anos sem
filmar no Japão, Kurosawa lançou Kagemusha (O
Guerreiro das Sombras)
sobre um pobre ladrão do século XVI que é poupado
da morte por sua semelhança
física com o líder de um clã que estava em guerra.
Ferido em batalha, o líder
acaba morrendo e o ladrão recebe ordens de tomar o lugar do
líder, para que
seus seguidores acreditem que ele ainda está vivo, mas o
ladrão acaba se
revelando quando se vê incapaz de montar o cavalo do
líder. Impotente, o ladrão
assiste o clã que o seguia ser derrotado pelo exército
inimigo. Na época, Kagemusha
foi o filme mais caro feito no Japão e foi possível
graças a ajuda de Francis
Ford Coppola e George Lucas, que convenceram a 20th Century Fox a
investir no
projeto de Kurosawa. Kagemusha dividiu a Palma de Ouro do
Festival de
Cannes com o filme All That Jazz, de Bob Fosse. Reconhecido
internacionalmente, Kurosawa tornou-se o diretor mais popular no
ocidente que
no Japão. Depois de lançar Ran
(Ran, 1985) e Runaway Train (Trem Desgovernado, 1986), ele
recebeu em
1990 um Oscar pelo conjunto de sua obra. Naquele mesmo ano, Dreams
(Sonhos), o filme mais intimista de Kurosawa, chegou aos cinemas.
Posteriormente ele lançou Rhapsody in August
(Rapsódia em Agosto, 1991)
e seu último filme, Madadayo (Não Ainda
Não, 1993). Akira Kurosawa
faleceu em 1998. Não só de Kurosawa vive o
cinema pós-guerra japonês. Narayama Bushi-Ko (A Balada de
Narayama) possui duas
versões: uma de 1958, dirigida por Keisuke Kinoshita, com muitos
elementos do
teatro Kabuki, e outra em 1983, dirigida por Shohei Imamura,
premiada
com Palma de Ouro em Cannes. Narayama Bushi-Ko é a
história de uma vila
onde existe a tradição de abandonar os idosos para
morrem, e instiga a platéia
a questionar os valores da civilização. Nagisa Oshima, advogado
formado pela Universidade de Kyoto, começou a carreira no cinema
como assistente
de direção nos estúdios da Shichiku em 1954. Seus
primeiros filmes foram de
yakusa, como Ai to Kibo no Machi (A Cidade do Amor e da
Esperança, 1959)
e Seishun Zankoku Monogatari (O Conto da Juventude Cruel,
1960). O
primeiro filme de Oshima visto no ocidente foi Koshikei (Enforcamento,
1968), baseado na história real de um rapaz coreano que estuprou
e matou duas
jovens no Japão e foi condenado à morte. Mostrando uma
visão pessimista da
sociedade, misturando sexo e violência, Oshima se destacou nos
anos 70 com o
polêmico Ai no Corida (O Império dos Sentidos,
1976) baseado na história
real de dois amantes que embarcam numa procura obsessiva por prazer
sexual até
a relação terminar em tragédia, e o confuso
“thriller” Ai no Borei (O
Império da Paixão, 1978). Mas recentemente, Oshima
dirigiu Merry Christmas, Mr. Lawrence (Furyo – Em Nome da
Honra, 1983),
tendo o cantor David Bowie e o músico Ryuichi Sakamoto nos
papéis principais,
sobre um campo de prisioneiros japonês durante a 2a.
Guerra. O ocidente também conheceu
Juzo Itami, autor de “A Coletora de Impostos” (Marusa no Onna) e
Tanpopo, que
mostrou um Japão mais moderno. Otoko Wa Tsurai Yo (É Triste Ser Homem) entrou para
o livro Guiness
de recordes como a mais longa série de cinema já feita.
Com 48 episódios e
sempre tendo o mesmo ator no papel principal por quase 30 anos, Kiyoshi
Atsumi
é Tora-san, um bondoso caixeiro viajante que vai a diversas
regiões do Japão,
sempre apaixonado por uma moça, mas nunca conseguindo se casar e
fixar
residência. Comédia romântica sensível, a
popularidade dos filmes da série Otoko
Wa Tsurai Yo no Japão é incontestável. Recentemente, num curioso
paradoxo, são produções em desenho animado que vem
alcançando alto nível de
produção e bilheterias milionárias no
Japão. Hayao Miyazaki, diretor de
animação, possui várias de suas
produções entre as maiores bilheterias do país
nos últimos quinze anos. Seus primeiros longas-metragens para
cinema, Kaze
no Tani no Nushita (Nausicäa do Vale dos Ventos, 1984) e Tenku
no Shiro
Rapyuta (Laputa, o Castelo dos Céus, 1986) foram sucesso de
público e
aclamados pela crítica japonesa. Tonari no Totoro (Meu
Amogo Totoro,
1988) recebeu prêmio de Filme do Ano da Crítica
Cinematográfica Japonesa – a
primeira vez que um desenho foi premiado, concorrendo em igualdade com
filmes,
elevando a animação à mesma categoria do cinema no
Japão. Tonari no Totoro
conta a história de duas irmãs que se mudam com o pai da
cidade para o interior
nos anos 50, e mostra com sensibilidade e fantasia como ambas se
ambientam à
nova casa e aos seres imaginários que povoam a mata, como o
peludo e gentil
Totoro, amigo das plantas. Os trabalhos posteriores
de Miyazaki firmaram sua posição como o mais prestigiado
diretor de cinema e
animação da atualidade no Japão. Majõ
no Takyuubin (O Serviço de Entrega
de Kiki, 1989) também recebeu o Prêmio de Melhor Filme da
Crítica
Cinematográfica Japonesa, ao mostrar o conto de uma bruxinha que
passa a
trabalhar como uma entregadora com sua vassoura voadora. Mononoke
Hime
(A Princesa Mononoke, 1997) sobre uma jovem ainu que vive com lobos nas
florestas do norte do Japão no séc. XVI, e os
últimos Sento Chihiro no Kami
Kakushi (A Viagem de Chihiro) e Hauru no Ugoku (O Castelo
Animado),
repetiram o mesmo efeito de todos os seus outros desenhos,
alcançando as
maiores bilheterias do ano. Isao Takahata,
ex-assistente de Miyazaki, destaca-se pela produção do
trágico e tocante Hotaru
no Haka (Túmulo dos Vagalumes, 1988), sobre dois
irmãozinhos órfãos
tentando sobreviver no pós-guerra, e o lírico Omiode
Poro-Poro
(Fragmento de Lembranças, 1991), sobre uma jovem “Office-lady”
que em meio a
recordações de sua infância vai visitar parentes no
interior e repensa o rumo
de sua própria vida. Desenhista de quadrinhos,
Katsuhiro Otomo assume uma carreira de animação a partir
do revolucionário Akira
(Akira, 1988), dando uma visão pessimista do futuro após
uma guerra nuclear,
numa ficção que une tecnologia, delinqüência
juvenil e conspiração política
acerca de uma arma paranormal personificada num menino denominado
Akira. Em Memories
(Lembranças, 1995), Otomo divide com outros dois jovens
diretores a realização
de três contos de ficção-científica. Entre produções de
qualidade discutível, mas extremamente populares como a
série Godzilla
dos estúdios Toho, e verdadeiras obras de arte como os filmes de
Kurosawa e os
desenhos de Miyazaki, o cinema japonês continua sua
trajetória. Texto publicado pela
Revista Nippon em 6/99. AO USAR
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– autor: Francisco Handa LEMBRE-SE:
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