:: HERMENGARDA E TAKESHITA Subindo
com o
pequeno elevador num dos inúmeros edifícios da
praça Carlos Gomes, no bairro da
Liberdade, deparamos com um apartamento, um dos pouco ainda não
dominados pelos
escritórios de advocacia, corretoras ou dentistas que se
espalharam pelos
edifícios da região. É
lá que mora um dos primeiros
casais nipo-brasileiros, completando 50 anos de casamento: Hermengarda
Leme
Leite Takeshita (natural de Franca) que ainda conserva um pouco dos
costumes da
família paulista “de quatrocentos anos” e o Kwanichi Takeshita
(natural de
Tóquio) que possui os traços de um imigrante
japonês, apesar de estar há 55
anos no Brasil. Hoje,
felizes,
comemoram as Bodas de Ouro, mas a vida para o casal não foi um
mar de rosas. Se hoje
ainda
persistem algumas velhas tradições e os antigos
preconceitos contra o casamento
inter-étnico, pode-se imaginar como era há 50 anos! A
historia do casal
começa em 16 de maio de 1924, quando Kwanichi Takeshita,
então com 21 anos de
idade, desembarcava em Santos, desistindo de sua meta inicial que era
os
Estados Unidos, e tendo em seu currículo, os dois anos de
Economia Política que
havia cursado na Universidade Wasseda. Logo
após o
desembarque, Takeshita foi morar em Guatapará, um dos
núcleos da colonização
japonesa. Nesta
época,
Hermengarda lecionava em Guatapará: “Tinha chegado um
japonês em nossa pequena
cidade e que não falava português. Só inglês:
Todo o mundo queria conhecer e
conversar com ele. Assim não podia dar as minhas aulas”. Afirma
sorrindo e
complementa: “Takeshita tocava gaita e ia fazer serenata para
nós. Naquela
época, sair da fazenda era difícil. Muitos fugiam e eram
mortos. Mas Takeshita
recebeu ordens para deixar a fazenda por causa do mau exemplo que
estava
dando”. Em
São Paulo
Assim, em
31 de
outubro de 1924, Takeshita chegava a cidade de São Paulo, onde
na esquina da
rua XV de novembro com a rua Direita, ficou parado para ver se passava
algum
japonês, pois ainda não conseguia falar português. De
janeiro de 1925
até 1933, Takeshita lecionou na Taishô Shogakkô,
escola da colônia japonesa.
Gostava dessa profissão porque sobrava-lhe tempo para praticar o
tênis, seu
esporte predileto. “Em casa,
todas as
sextas tinha reunião, e o Takeshita perguntou-me se tinha
coragem de ir para o
Japão com ele. Eu respondi que sim”, relembra Hermengarda
levemente comovida. O
Casamento
Casaram-se
no dia 23
de outubro no consulado Japonês e no dia 6 de novembro de 1929 no
Cartório.
Quanto a isso, dona Hermengarda guarda nítidas
recordações: “Eu fui
com a
raquete de tênis para o Cartório, na volta do clube, e
levamos todos os papeis.
As testemunhas eram todos japoneses.” Nesta época, já
estava com o passaporte
preparado para ir morar no Japão, conforme haviam planejado. Casaram,
mas
continuaram morando separados como se nada tivesse acontecido. A
família também
não ficou sabendo de nada durante um mês. “Deixa de
ser besta”
foi a resposta da sua mãe ao tomar conhecimento do casamento.
Hermengarda conta
como foram as reações: - No
começo ninguém acreditou, mas depois, com a
apresentação dos
papeis, foram obrigados a admitir. Papai me deserdou e os parentes
até os
amigos e amigas me hostilizaram. A colônia japonesa também
não viu com bons
olhos a nossa união. Todo mundo parava para olhar. No cinema,
mesmo no escuro,
todos olhavam. A mamãe foi a primeira a nos procurar. - E
Takeshita completa: - Fui no
hotel onde estava hospedado o pai de Hermengarda (que era
advogado), para dar satisfações, mas ele reagiu
tão furiosamente que pensei que
nunca mais iríamos nos entender. Depois, ele começou a
compreender-nos, ate que
nos tornamos muito amigos”. A Segunda
Guerra
Na
época da II Guerra Mundial, a vida não era fácil
para o casal,
que residindo na rua Apiaí (hoje, o mesmo trecho chama-se
Francisco Justino de
Azevedo – Cambuci) e sem recursos, chegaram a vender os moveis e ate as
roupas
para sobreviverem. “O
Takeshita ia vender batata e era preso porque falava japonês, e
eu precisava pagar a fiança par liberta-lo sempre”, afirma
Hermengarda que
acredita ter sido aquela, a época mais difícil na vida do
casal. E foi durante
a guerra mesmo que ela escreveu o livro “Sakurá”. Sakurá
A autora
do Sakurá conta que numa noite de tempestade e muito
triste, quando Takeshita estava no cassino tentando ganhar algum
dinheiro com
apostas, na passagem mais amarga das recordações do
casal, ela decidiu: “O
tempo que vou gastar chorando, vou gastar escrevendo um livro”. Depois da
Guerra
A
seqüência dos anos difíceis para a vida do casal, se
prolongou
ainda por muito tempo. Mesmo durante a guerra, eles tiveram que mudar
para
Campos de Jordão, para fugir das prisões freqüentes
com que Takeshita vinha
sendo atormentado em São Paulo. Em Campos de Jordão,
enquanto Hermengarda
organizava um colégio recém-fundado e ajudava nos
serviços caseiros, Takeshita
foi morar num sítio, onde havia plantação de
cenoura, trabalhando nos serviços
de lavoura e dormindo no chão de terra batida. Desde
1955 até recentemente, Takeshita traduziu os filmes
japoneses das companhias Shochiku, Toei e Toho, as três empresas
que suprem o
mercado brasileiro com películas japonesas, chegando a soma de
1300 filmes
traduzidos por ele. Dona
Hermengarda, fundadora da “Assembléia Juvenil de Boa
Vontade”, entidade que prestou muitos serviços à
comunidade paulistana, além de
publicar “Sakurá”, publicou o livro “Estranhos Visitantes”, uma
novela infantil
que obteve bastante sucesso, cuja renda foi revertida em
benefício dos
leprosos. Outros
livros ainda inéditos, fazem parte do seu arquivo, e que
pretende, se Deus quiser, publicar: “Joãozinho no
Planeta Azul” que
recebeu recentemente elogiosos comentários do jornal “Popular da
Tarde”, antes
mesmo de ser editado, “Quando o Diabo Sorri” e “Moinho de Vento”. Fora
os
livros, existem muitos contos e poesias, dentre os quais, muitos
já foram
publicados em jornais e revistas. Tudo isso
além das memórias que ela prepara agora com muito
carinho, e que poderá chamar “Memórias de Uma Vida Faz de
Contas”. Autor:
Francisco Noriyuki Sato Matéria
Publicada em 6/11/1979, no São Paulo Shimbun. Em Junho
de 1980, Hermengarda viu sua obra “Joãozinho no Planeta
Azul” publicada. Sua biografia que recebeu o nome de “Um Grito de
Liberdade”,
foi publicada em 1984. Hermengarda
Leme Leite Takeshita faleceu no ano seguinte, e
Kwanichi Takeshita, alguns anos depois. O casal continuou na
Praça Carlos Gomes
até o fim. Hoje,
felizes,
comemoram as Bodas de Ouro, mas a vida para o casal não foi um
mar de rosas. Se hoje
ainda
persistem algumas velhas tradições e os antigos
preconceitos contra o casamento
inter-étnico, pode-se imaginar como era há 50 anos! A
historia do casal
começa em 16 de maio de 1924, quando Kwanichi Takeshita,
então com 21 anos de
idade, desembarcava em Santos, desistindo de sua meta inicial que era
os
Estados Unidos, e tendo em seu currículo, os dois anos de
Economia Política que
havia cursado na Universidade Wasseda. Logo
após o
desembarque, Takeshita foi morar em Guatapará, um dos
núcleos da colonização
japonesa. Nesta
época,
Hermengarda lecionava em Guatapará: “Tinha chegado um
japonês em nossa pequena
cidade e que não falava português. Só inglês:
Todo o mundo queria conhecer e
conversar com ele. Assim não podia dar as minhas aulas”. Afirma
sorrindo e
complementa: “Takeshita tocava gaita e ia fazer serenata para
nós. Naquela
época, sair da fazenda era difícil. Muitos fugiam e eram
mortos. Mas Takeshita
recebeu ordens para deixar a fazenda por causa do mau exemplo que
estava
dando”. Em
São Paulo
Assim, em
31 de
outubro de 1924, Takeshita chegava a cidade de São Paulo, onde
na esquina da
rua XV de novembro com a rua Direita, ficou parado para ver se passava
algum
japonês, pois ainda não conseguia falar português. De
janeiro de 1925
até 1933, Takeshita lecionou na Taishô Shogakkô,
escola da colônia japonesa.
Gostava dessa profissão porque sobrava-lhe tempo para praticar o
tênis, seu
esporte predileto. “Em casa,
todas as
sextas tinha reunião, e o Takeshita perguntou-me se tinha
coragem de ir para o
Japão com ele. Eu respondi que sim”, relembra Hermengarda
levemente comovida. O
Casamento
Casaram-se
no dia 23
de outubro no consulado Japonês e no dia 6 de novembro de 1929 no
Cartório.
Quanto a isso, dona Hermengarda guarda nítidas
recordações: “Eu fui
com a
raquete de tênis para o Cartório, na volta do clube, e
levamos todos os papeis.
As testemunhas eram todos japoneses.” Nesta época, já
estava com o passaporte
preparado para ir morar no Japão, conforme haviam planejado. Casaram,
mas
continuaram morando separados como se nada tivesse acontecido. A
família também
não ficou sabendo de nada durante um mês. “Deixa de
ser besta”
foi a resposta da sua mãe ao tomar conhecimento do casamento.
Hermengarda conta
como foram as reações: - No
começo ninguém acreditou, mas depois, com a
apresentação dos
papeis, foram obrigados a admitir. Papai me deserdou e os parentes
até os
amigos e amigas me hostilizaram. A colônia japonesa também
não viu com bons
olhos a nossa união. Todo mundo parava para olhar. No cinema,
mesmo no escuro,
todos olhavam. A mamãe foi a primeira a nos procurar. - E
Takeshita completa: - Fui no
hotel onde estava hospedado o pai de Hermengarda (que era
advogado), para dar satisfações, mas ele reagiu
tão furiosamente que pensei que
nunca mais iríamos nos entender. Depois, ele começou a
compreender-nos, ate que
nos tornamos muito amigos”. A Segunda
Guerra
Na
época da II Guerra Mundial, a vida não era fácil
para o casal,
que residindo na rua Apiaí (hoje, o mesmo trecho chama-se
Francisco Justino de
Azevedo – Cambuci) e sem recursos, chegaram a vender os moveis e ate as
roupas
para sobreviverem. “O
Takeshita ia vender batata e era preso porque falava japonês, e
eu precisava pagar a fiança par liberta-lo sempre”, afirma
Hermengarda que
acredita ter sido aquela, a época mais difícil na vida do
casal. E foi durante
a guerra mesmo que ela escreveu o livro “Sakurá”. Sakurá
A autora
do Sakurá conta que numa noite de tempestade e muito
triste, quando Takeshita estava no cassino tentando ganhar algum
dinheiro com
apostas, na passagem mais amarga das recordações do
casal, ela decidiu: “O
tempo que vou gastar chorando, vou gastar escrevendo um livro”. Depois da
Guerra
A
seqüência dos anos difíceis para a vida do casal, se
prolongou
ainda por muito tempo. Mesmo durante a guerra, eles tiveram que mudar
para
Campos de Jordão, para fugir das prisões freqüentes
com que Takeshita vinha
sendo atormentado em São Paulo. Em Campos de Jordão,
enquanto Hermengarda
organizava um colégio recém-fundado e ajudava nos
serviços caseiros, Takeshita
foi morar num sítio, onde havia plantação de
cenoura, trabalhando nos serviços
de lavoura e dormindo no chão de terra batida. Desde
1955 até recentemente, Takeshita traduziu os filmes
japoneses das companhias Shochiku, Toei e Toho, as três empresas
que suprem o
mercado brasileiro com películas japonesas, chegando a soma de
1300 filmes
traduzidos por ele. Dona
Hermengarda, fundadora da “Assembléia Juvenil de Boa
Vontade”, entidade que prestou muitos serviços à
comunidade paulistana, além de
publicar “Sakurá”, publicou o livro “Estranhos Visitantes”, uma
novela infantil
que obteve bastante sucesso, cuja renda foi revertida em
benefício dos
leprosos. Outros
livros ainda inéditos, fazem parte do seu arquivo, e que
pretende, se Deus quiser, publicar: “Joãozinho no
Planeta Azul” que
recebeu recentemente elogiosos comentários do jornal “Popular da
Tarde”, antes
mesmo de ser editado, “Quando o Diabo Sorri” e “Moinho de Vento”. Fora
os
livros, existem muitos contos e poesias, dentre os quais, muitos
já foram
publicados em jornais e revistas. Tudo isso
além das memórias que ela prepara agora com muito
carinho, e que poderá chamar “Memórias de Uma Vida Faz de
Contas”. Autor:
Francisco Noriyuki Sato Matéria
Publicada em 6/11/1979, no São Paulo Shimbun. Em Junho
de 1980, Hermengarda viu sua obra “Joãozinho no Planeta
Azul” publicada. Sua biografia que recebeu o nome de “Um Grito de
Liberdade”,
foi publicada em 1984. Hermengarda
Leme Leite Takeshita faleceu no ano seguinte, e
Kwanichi Takeshita, alguns anos depois. O casal continuou na
Praça Carlos Gomes
até o fim. AO USAR
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FONTE www.culturajaponesa.com.br LEMBRE-SE:
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