:: Kataná ESPADA JAPONESA -
NIHONTÕ Símbolo
de força, de uma cultura e de um país, a espada curva
japonesa é
um ícone universal. Feita artesanalmente com uma técnica
desenvolvida ao longo
de mil e quinhentos anos, ela é internacionalmente reconhecida
como a espada de
mais alta qualidade já produzida pelo engenho humano,
extremamente valorizada e
cobiçada por colecionadores no mundo inteiro. Entre fatos e
lendas a respeito
deste venerado objeto, Cristiane A. Sato, colaboradora do CULTURA
JAPONESA,
apresenta a seguir uma introdução ao fascinante mundo da nihontõ, a espada japonesa. ORIGENS DA ESPADA
JAPONESA Benedicto Ferri de Barros, apaixonado
pesquisador da nihontõ, escreveu uma vez que "de
todos os artefatos produzidos pelo homem, nenhum supera a espada
japonesa em
perfeição artesanal, em riqueza artística, em
amplitude de significado
cultural, em duração histórica, em conteúdo
espiritual. Sob um ou outro desses
aspectos ela poderá ser sobrepujada por uma ou outra classe de
objetos; nenhuma
a ultrapassa no conjunto dessas características". E ele
não estava
exagerando. Tão diversificado em especificidades é o
assunto, que é um desafio
explicar numa forma resumida algo tão complexo. Espadas são das mais antigas armas
fabricadas pela humanidade, daí que
no mundo inteiro e de acordo com culturas locais a espada é um
objeto ao qual
se deu diferentes simbologias e significados. Via de regra, a espada
representa
força e poder, dado sua finalidade primeira de ser uma arma. De
tal modo uma
espada inspirava poder, que a humanidade passou a imputar ao objeto
características similares a uma pessoa, tanto que lhe eram nomes
individualizantes. No ocidente são famosas as lendas do Rei
Arthur e de sua
espada, Excalibur. Siegfried, lendário herói
germânico, tinha a espada Balmung. Na literatura, as espadas japonesas mais
antigas de que se tem notícia
são as relatadas no Kojiki, coletânea
de fatos, mitos e lendas da Antigüidade japonesa, considerado o
primeiro livro
oficial de história do Japão, escrito em 712 d.C. Lendas
xintoístas no Kojiki relatam que Amaterasu, a deusa do
sol, entregou três objetos a seu neto Ninigi no Mikoto, quando o
incumbiu da
missão de governar o Japão. Um desses objetos foi uma
espada, batizada de Kusanagi
no Tsurugi. Esses três
objetos
- um espelho, um colar e a espada - são chamados de
"Tríade Divina",
ou "Os Três Tesouros Sagrados". A Kusanagi
no Tsurugi é curta, com cabo e
lâmina forjados numa só peça parecendo um
gládio romano, e encontra-se guardada
no templo de Atsuta, em Nagoya. Jimmu Tennõ,
filho de Ninigi no Mikoto e historicamente considerado o primeiro
imperador do
Japão, herdou "Os Três Tesouros Sagrados", que desde
então
tornaram-se símbolos do poder imperial. Há atualmente a idéia
pré-concebida de que "espada japonesa"
seja a kataná, a espada curva com corte
apenas de um lado usada pelos samurais. Poucos sabem, entretanto, que
na origem
os japoneses usavam e fabricavam espadas bem diferentes da kataná. Aliás, existem vários
tipos de espadas japonesas, além da kataná. Nos séculos VII e VI a.C.,
épocas em que se acredita que tenha vivido o lendário
Jimmu Tennõ, os japoneses aprenderam a arte da
manufatura de espadas de artesãos chineses. Assim, as espadas na
Antigüidade
japonesa eram feitas no estilo das espadas chinesas: longas ou curtas,
mas
retas e com ponta dupla (forma de flecha). Este tipo de espadas
são chamadas de tsurugi. Muitas dessas espadas foram
encontradas em escavações arqueológicas de
túmulos do período Kofun (300 d.C. a
710 d.C.). No século VII d.C., viveu o primeiro
dos grandes mestres artesãos de
espadas japonesas: Amakuni. Ferreiro do imperador Mommu Tennõ,
Amakuni criou durante sua carreira uma nova forma de
espadas, pronunciadamente encurvada e de ponta dupla, com corte de um
só lado
da lâmina virado para cima. Longa (75cm em média), usada
pendurada por
correntes com uma cinta, esse tipo de espada foi chamada de
tachi. Adotada pela alta aristocracia, as tachi foram
as precurssoras das katanás dos samurais.
Refinadas e decoradas, as tachi
tinham mais função cerimonial do que uso em batalha. A NECESSIDADE FEZ
A ESPADA Embora espadas tenham existido desde a
Antigüidade no Japão, nem sempre
elas foram símbolo de uma classe guerreira e nem eram exatamente
populares.
Antes de se tornarem a classe governante no Japão, os samurais
eram acima de tudo
exímios cavaleiros e habilidosos arqueiros. Tão marcante
era tal habilidade dos
samurais, que o código de conduta deles era chamado de Kyûba no Michi (O Caminho do Arco e do Cavalo). Surgido no século X, o Kyûba
no
Michi era um conjunto de ensinamentos que procurava impor regras
de conduta
moral e de etiqueta na guerra, em tempos nos quais não haviam
leis ou normas
escritas para tanto. Além de preconizar treinamento
físico, defendia ideais de
coragem, de destemor à morte, de impassividade e de
cavalheirismo, sendo um dos
deveres do samurai proteger as mulheres. De influência
xintoísta, o Kyûba no Michi transmitia
valores de
ética e comportamento usando figuras de linguagem com as armas e
objetos usados
pelos samurais. No raciocínio do Kyûba no Michi,
a espada representa o homem, e a bainha a mulher. Além do
sentido fálico, há a
conotação de que a espada representa
características consideradas
"masculinas", como poder, força e agressividade. Por isso, o
complemento ideal da espada é a saya
(bainha), que representa características "femininas", como
beleza e
passividade. "Uma bainha sem espada é um ornamento oco; uma
espada sem
bainha é usada em demasia", diz um dos antigos provérbios
que sobreviveu
até nossos dias. Tais ideais práticos foram
posteriormente alterados e
substituídos na Era Edo (1603-1867), com o advento do Bushido (O Caminho do Guerreiro). Até
meados do século XV, a arma
mais popular era a yari (espada
curta, reta ou curva, montada num cabo longo como uma lança),
típica dos ashigaru (guerreiro à pé, de
camada
inferior). Um confronto histórico marcou o
desenvolvimento da espada que se
tornaria sinônimo de espada japonesa: a kataná.
Em 1274, o imperador mongol da China, Kublai Khan, neto do conquistador
Genghis
Khan, enviou tropas por mar para invadir o Japão. Embora os
japoneses tenham
conseguido rechaçar a invasão, perceberam que os
mongóis possuiam armaduras
mais resistentes e que precisavam de espadas mais eficientes. Certos de
que os
mongóis fariam uma outra tentativa de invasão, os
japoneses desenvolveram a kataná, espada
levemente encurvada com
ponta em forma de cunha, empunhadura longa para duas mãos e
lâmina comprida com
corte unilateral, medidindo em média de 60 a 70 cm. Podendo ser segurada com as duas
mãos, um golpe com a kataná
aproveita toda a
força de uma
pessoa de modo mais eficaz. Sua forma é ideal para
rápidos golpes de corte. Sua
lâmina larga e resistente é praticamente
inquebrável, e a ponta em forma de
cunha permitia atravessar a armadura mongol. Quando os mongóis
voltaram a atacar,
em 1281, a kataná foi posta à prova.
Encontrando os japoneses melhor preparados, os mongóis
não conseguiram
conquistar territórios ao desembarcar, e tiveram que voltar aos
seus navios. Um
tufão varreu a frota mongol, afundando-a de vez. A este evento
natural os
japoneses deram o nome de kamikaze
(vento divino), acreditando que os deuses haviam enviado o tufão
para proteger
o Japão. Em tempos
de paz, mestres alfagemes tinham tempo e inclinação para
fazer
espadas refinadas e artísticas, mas em tempos de guerra a
demanda é por
quantidade, e a qualidade é colocada em plano secundário.
Na Era Kamakura
(1192-1333) foram criadas técnicas altamente artísticas,
a ponto deste período
também ser conhecido como a "era dourada" da manufatura de
espadas.
Foi nesse período que viveu Gorõ Nyûdõ
Masamune, conhecido como
"Masamune", considerado o maior mestre artesão de espadas de
todos os
tempos, e muitos de seus famosos e renomados discípulos, como
Kunitsugu Rai,
Sadamune Soshu e Yoshihiro Go. Entretanto, na Era Muromachi
(1333-1573),
sangrentas e contínuas guerras internas no Japão
tornaram-se norma. O
enfraquecimento do poder imperial deu lugar a disputas entre daimyõs (líderes feudais), uns contra os
outros na disputa pelo poder sobre o país, e permitiu a
ascenção dos samurais à
classe dominante. Muitas espadas de boa qualidade encomendadas pelos
emergentes daimyõs foram feitas nesse período,
mas a necessidade de armar crescentes tropas particulares de samurais
fez com
que as altamente artísticas técnicas da Era Kamakura
fossem abandonadas em
favor de espadas utilitárias. UM NOVO PAPEL
PARA A ESPADA Basicamente armados com espadas,
lanças e arcos-e-flechas, os exércitos
particulares dos daimyõs tinham
forças equilibradas, e esse período de guerras
intermináveis arrastou-se por
séculos. Em 1543 um fato novo mudou tal situação:
navegantes portugueses - os
primeiros ocidentais a chegar ao Japão - introduziram armas de
fogo no país: os
arcabuzes, chamados de teppõ pelos
japoneses. As armas de fogo foram rapidamente assimiladas pelos daimyõs, que as entregaram as suas
fileiras de ashigarus. Foi com o uso
criterioso de arcabuzes que Nobunaga Oda, filho de um pequeno senhor de
terras,
alcançou proeminência derrotando grandes e tradicionais daimyõs, tomou a capital Kyoto e se fez shõgun (general supremo, governante de fato do
Japão) em 1568. Em
termos de eficiência em batalha, as armas de fogo superavam as
melhores espadas
e os melhores espadachins. Em 1588, Hideyoshi Toyotomi, um general de
Oda, fez
publicar o Kataná-gari, édito que
proibiu a todos os que não fossem membros do bushi
(classe guerreira) a posse ou porte da espada. A partir de
então, a kataná tornou-se
sinônimo de
samurai, enquanto as armas de fogo só eram usadas por plebeus. Quando Ieyasu Tokugawa, outro general de
Oda, unifica o país e toma o
poder em 1603 assumindo o título de shõgun,
inicia-se no Japão um período de paz interna, marcado por
uma crescente
política isolacionista do resto do mundo, e a
ascenção da classe samurai ao
governo e ao topo da pirâmide social. Neste período,
conhecido como Era Edo
(1603-1867), o governo xogunal exercido por descendentes de Tokugawa
passaram a
restringir a fabricação e o uso de armas de fogo, a ponto
de praticamente
tirá-las de circulação. Paralelamente a essas
medidas, tornou-se crescente a
política de valorização da kataná. O conceito da kataná como
"alma do samurai" tem suas raízes no início do xogunato
Tokugawa.
Embora culturalmente sempre tenha havido uma reverência pela
espada, a ídéia de
"alma" adveio de uma necessidade do governo de dar presentes de alto
valor para nobres e líderes aliados. Séculos antes, tais
presentes seriam
concessões de terras, mas nos tempos do xogunato as terras
existentes já tinham
proprietários e novos territórios, num
arquipélago, eram quase impossíveis de
se obter. Katanás de qualidade e de
acabamento artístico passaram a ser manufaturadas com tal
finalidade. Espadas
antigas, de alta qualidade e feitas por artesãos renomados,
passaram a ser
consideradas presentes extremamente especiais, reservadas a membros da
família
do shõgun. Nesta época surge a arte
do kantei: a habilidade de avaliar
uma espada de acordo com a época que foi feita, o fabricante e a
qualidade, bem
como a de apreciar suas características e mínimos
detalhes, como as variações
de ondulação e brilho da hada,
têmpera da lâmina que se assemelha visualmente ao cerne de
madeira de lei. Visando se manter indefinidamente no poder, o
clã Tokugawa interveio em
todos os aspectos da vida na sociedade japonesa por meio de leis,
impôs regras
de etiqueta na corte em Edo, e patrocinou publicações
para serem adotadas no
ensino e treinamento dos samurais. Num período sem guerras, os
samurais
tornaram-se fundamentalmente funcionários públicos e
burocratas, e apenas num
sistema que privilegiasse a obediência cega os Tokugawa
conseguiriam alguma
fidelidade dos samurais e se manteriam no poder. Foi sob tais
circunstâncias
históricas que nasceu o Bushido (O
Caminho do Guerreiro). Assim, a espada ganhou enorme
função simbólica na sociedade japonesa.
Símbolo da classe dominante, ela impunha às pessoas
comuns mais medo que
respeito pelos samurais, uma vez que estes tinham literalmente
licença para
matar de imediato qualquer popular que eles entendessem ter agido
desrespeitosamente. Na etiqueta palaciana, o modo pelo qual se portava
ou
segurava a espada podia ser entendido como um ato de
traição punível com a
morte. Por ter apenas desembainhado sua espada no palácio do shõgun em 1701, embora diante de grave e
desonesta provocação de um inimigo, Naganori Asano, daimyõ do feudo de Akõ, foi condenado a
cometer seppuku (suicídio ritual). Mesmo
destituídos de mestre e desonrados, ex-samurais de Asano se
uniram num
engenhoso plano e mataram o homem responsável pela morte de seu
mestre,
passando para a história como os heróis da Akõgishi (Crônicas dos
Bravos de Akõ), conhecida na dramaturgia japonesa como Chûshingura (O Tesouro dos
Leais
Servidores), ou "Os 47
Ronins". O BANIMENTO DA KATANÁ Ao longo do século XIX, o Japão
sofreu fortes pressões das potências
ocidentais para abrir seus portos, até que finalmente o governo
Tokugawa entrou
em colapso. Após uma guerra civil entre defensores do
isolacionismo xogunal e
dos que queriam a restauração do poder ao imperador, com
a abertura do Japão ao
ocidente, adveio a chamada Era Meiji (1868-1912). Entretanto, não se mudam
hábitos e valores de séculos do dia para a
noite, e houve resistência dos samurais, mesmo diante da derrota
na guerra
civil e da irreversível modernização do
país. Em 1876, o imperador Meiji baixou
o édito Haitorei, que proibiu a todos
indistintamente o porte de armas de fogo e e armas brancas. Proibidos
de portar
suas espadas, os samurais passaram à condição de
cidadãos comuns, e do dia para
a noite a atividade de produção de katanás
foi cortada a zero. A maioria dos alfagemes foram obrigados a
sobreviver de
outras atividades; alguns poucos passaram a produzir tesouras, facas de
cozinha
e ferramentas de corte para marcenaria (áreas nas quais
curiosamente o Japão
até hoje é internacionalmente reconhecido por sua alta
qualidade). Tamanho foi
o descontentamento e decepção dos samurais com o Haitorei, que em 1877 uma rebelião liderada por
Takamori Saigo,
samurai que durante a guerra civil apoiou a restauração
imperial e foi um dos
líderes intelectuais do novo governo, reuniu milhares de
samurais em Kagoshima,
sul do Japão. Armadas com modernas armas de fogo, tropas
imperiais sufocaram a
rebelião e Saigo cometeu suicídio ritual. Posteriormente, à medida que a
militarização cresceu no Japão avançando
pelo século XX, a necessidade de armar soldados com espadas
retomou a produção,
mas a quantidade requereu fabricação industrial. As katanás "Tipo 94" e "Tipo
95", feitas para
oficiais do exército e da marinha até a 2ª Guerra
Mundial, pareciam-se com katanás tradicionais, mas eram feitas de
uma única placa metal industrializado, recebendo um
número de série ao invés da
assinatura de um artesão. Houve, felizmente, alguns
indivíduos que procuraram
preservar a manufatura tradicional com acabamento artístico
neste período infeliz,
como os membros da família Gassan. Um deles, Sadakatsu Gassan,
chegou a receber
o prestigioso título de "Tesouro (ou Patrimônio) Vivo
Nacional", dado
a artistas que contribuiram sobremaneira à identidade japonesa. Com a derrota na 2ª Guerra, e sob o
governo de ocupação americano
(1945-1952), as forças armadas japonesas foram dissolvidas e a
produção de katanás, que devido
ao conflito
adquiriram a imagem de "arma maligna símbolo do inimigo", foi
proibida e adotaram-se medidas para recolher todas as espadas que
estivessem em
posse da população, a fim de destruí-las. Diante
de tal situação, um senhor
chamado Junji Honma pediu uma audiência pessoal com o comandante
do governo de
ocupação, o general Douglas MacArthur. Neste encontro, o
professor Honma apresentou
ao general várias espadas japonesas de diferentes
períodos históricos, e
rapidamente MacArthur aprendeu a diferenciar uma espada de valor
artístico de
uma mera espada utilitária. Graças a esta reunião,
muitas espadas foram salvas
da destruição, e o general amenizou as medidas de
destruição de espadas
limitando-as às guntõ ("espadas
das forças armadas", katanás
produzidas em série), permitindo que espadas de valor
artístico pudessem ser
preservadas e possuidas por particulares. Mesmo assim, muitas katanás foram vendidas a soldados
americanos, que as compravam por uma ninharia. Outras, como ocorre em
tempos de
guerra, foram roubadas. Outras foram escondidas pela
população, e assim
permanecem. Por esta razão, há mais katanás
hoje nos Estados Unidos que no Japão - cerca de um milhão
de espadas - a
maioria guntõ tiradas de soldados
japoneses mortos na guerra . No pós-guerra o prof. Honma fundou a Nippon
Bijutsu Tõken Hozon Kyõkai (Sociedade Para a
Preservação das Espadas
Artísticas do Japão), em torno da qual reuniram-se os
poucos alfagemes e
especialistas que hoje se dedicam a preservar a arte e a
tradição das espadas
japonesas. Mas boa parte do esforço da entidade está em
divulgar a espada
japonesa, mesmo para os japoneses. Calcula-se que não mais de 1%
dos japoneses
atualmente tenha visto ou empunhado uma kataná
tradicional legítima. Uma série de motivos cercou a
espada japonesa de rituais
e etiqueta, que levam a restringir sua exibição a
estranhos que não sejam seus
possuidores, dificultando mais ainda que as pessoas tenham algum
conhecimento
do assunto e preservem sua tradição. Somente a partir da
criação da Nippon Bijutsu Tõken Hozon
Kyõkai, devidamente
autorizada pelas forças de ocupação e reconhecida
pelo governo japonês, que
estudiosos e conhecedores da nihontõ
puderam ter acesso a coleções particulares e realizar
exposições. Atualmente fabricam-se versões
industrializadas e baratas de katanás sem corte, para mera
decoração
ou para prática esportiva de artes marciais. A maioria das
vendidas no ocidente
são feitas na China. Imitações produzidas em
série, tais espadas carecem de
acabamento artesanal ou artístico e são pouco
resistentes, podendo facilmente
quebrar-se ao receber o golpe de outra kataná. PROCESSO DE
MANUFATURA DE UMA KATANÁ Antigamente, o processo de manufatura de uma
espada era considerado um
ato sagrado, um ritual religioso. Mestres alfagemes eram, via de regra,
monges
ou seguidores da seita Yamabushi (seita asceta de origem
xintoísta,
posteriormente absorvida por escolas budistas), ou da Shugendõ
(seita derivada
da Yamabushi, também conhecida como "budismo de montanha").
Antes de
começar a forjar uma espada, esses artesãos realizavam
ritos de purificação
corporal, e abstinham-se de saquê e de sexo enquanto a espada
não fosse
terminada. Eles acreditavam que kamis
(espíritos, deuses) os inspiravam e os acompanhavam no processo,
e por isso
cada espada tornava-se "moradia" de um espírito quando terminada. Após a 2ª Guerra Mundial, muito
do conhecimento da fabricação
tradicional artesanal da kataná se
perdeu. Atualmente, por iniciativas individuais de apreciadores que se
dedicam
à recuperação de tais técnicas, alguns
artífices retomaram a manufatura
tradicional de katanás pesquisando
antigos escritos e ilustrações ainda existentes sobre o
assunto. Arami Meizukushi, um tratado sobre
espadas escrito por Hakuryûshi (pseudônimo de Katsuhisa
Kanda) em 1712, virou
obra de referência. Artigos escritos por Munetsugu, mestre
alfageme que viveu
no século XIX e viajou por todo o Japão ensinando sua
arte, gerando uma onda de
produção de katanás hoje chamada
de
Movimento da Shin-shintõ (novíssima
espada japonesa), formam um evangelho para os modernos artesãos.
A criação da Nippon Bijutsu Tõken
Hozon Kyõkai (Sociedade
Para a Preservação das Espadas Artísticas do
Japão) centralizou tais esforços,
e mantém a missão de divulgar e preservar espadas e
técnicas tradicionais de
produção. Tanto antigamente como hoje, uma kataná
tradicional é basicamente feita com três instrumentos
rudimentares: uma tenaz,
um malho e uma bigorna. O processo baseia-se no antigo método
chinês de
aquecer, dobrar e achatar o metal repetidas vezes, até conseguir
dar a forma
que se deseja ao metal. Apesar de ser um trabalho fisicamente
estressante, sujo
e em ambiente quente, os ferreiros japoneses vestem-se de branco. O que dá à kataná
sua especial
característica de resistência - praticamente
inquebrável e capaz de cortar o
cano de uma metralhadora - está no uso de dois tipos de metal
fundidos numa só
lâmina. Primeiramente aquece-se, bate-se e molda-se o "miolo" da
lâmina com um metal mais "mole", e numa segunda etapa,
acrescenta-se
uma capa de metal mais "duro", que ficará na parte externa.
Repete-se
o processo de aquecer, bater e moldar quantas vezes forem
necessárias o
"sanduíche" de metais de diferentes resistências,
até se obter uma
única lâmina. Blocos de metais de diferentes
resistências são basicamente
obtidos variando-se a quantidade de ferro e carbono na
composição de cada
bloco. A "dura" área externa da lâmina é ideal para
ser polida e e
afiada. O interior "mole" absorve o impacto que a lâmina recebe
ao se
chocar com outra área dura, evitando que ela se parta. A diferença de composição das ligas de
metal é crucial na formação da
curvatura da kataná. Embora o
alfageme molde a lâmina enquanto o metal está quente, o
formato preciso
desejado pelo artesão só será obtido no
súbito resfriamento final, quando ele
mergulhar a lâmina em água. Antes de resfriar a
lâmina, ele passa argila onde
ela será afiada, e o modo pelo qual ele mergulha a lâmina
na água define se a
lâmina se tornará uma espada, ou se o artesão
precisará recomeçar o trabalho do
zero. A diferença de composição dos metais no
interior e no exterior da lâmina
faz com que, no resfriamento, a lâmina se contraia e produza a
forma final da
curvatura. Neste instante, é comum que a lâmina sofra
rachaduras, ou fique com
uma curvatura incorreta ou indesejada, e o trabalho seja perdido. Em
média, 5
lâminas são descartadas, e na sexta tentativa é que
o artesão consegue aquela
que irá finalmente tornar-se uma espada, o que torna todo o
processo demorado
(que varia de horas a semanas). Na área que foi coberta com
argila, aparecem as
primeiras formas da hada (têmpera
ondulada). O uso de metais de diferentes resistências na moldagem
da lâmina e o
modo de encurvar a lâmina são processos desenvolvidos pela
metalurgia
tradicional japonesa. A lâmina produzida pelo alfageme vai em
seguida para outro especialista:
o polidor. Usando apenas pedras para polir e afiar e as próprias
mãos, o
polidor exaustivamente esfrega a lâmina até obter o
máximo de seu brilho e
dar-lhe um corte afiado como o de uma navalha. Nas mãos dele os
detalhes da hada virão à tona no
máximo de seu
esplendor. Finalmente, a lâmina estará pronta para ir para
outro mestre: o
montador. Verdadeiro artista, o montador não apenas faz o
acabamento da lâmina,
montando os acessórios fabricados pelo alfageme já
devidamente limpos pelo
polidor, como irá preparar a empunhadura com fitas de tecido
resistentes
habilmente trançadas e pequenas peças decorativas em
bronze, osso ou marfim
(algumas dessas peças são amuletos). Por fim, é
feita a peça maior do montador:
a saya (bainha). Feita em couro ou
madeira, encerada ou laqueada, a saya
é feita para acondicionar a kataná e
seus acessórios com precisão, de tal modo que cada saya serve apenas para a kataná
para a qual ela foi feita. Entre polimento e montagem, é comum
que se demore
mais 3 ou 4 semanas. Finalmente, a kataná pronta
volta ao alfageme, que fará a análise final para
certificar-se de que a espada
atende suas expectativas. Aprovada, a espada está apta a receber
a mei, a assinatura do artesão (quando
a
espada não é assinada, ela é chamada de mumei kataná, "espada sem
assinatura"). Após um ritual para purificar e consagrar a nova
espada, ela
está pronta para cumprir seu destino, seja qual ele for. TIPOS DE
ESPADAS JAPONESAS
Espadas
japonesas são medidas em unidades de shaku (1 shaku mede
aproximadamente 30,3 centímetros), ou 10/33 metros.
Também existem as medidas sun (um décimo de shaku), bu
(um centésimo
de shaku) e rin (um milésimo de shaku). - Chisa-kataná:
é uma kataná média, medindo entre
60 e 70 cm
(um pouco mais longo que a wakizashi,
mas mais curto que a kataná). - Daitõ: nome que se
dá a
qualquer espada longa, com lâmina medindo mais de 2 shaku
(mais de 60 cm). - Daisho: nome que se
dá ao
conjunto de uma kataná com uma wakizashi
(duas espadas de samurai
similares, diferentes apenas no comprimento). - Kataná: espada
curva com
ponta em forma de cunha, empunhadura longa para duas mãos e
lâmina comprida com
corte unilateral, medidindo em média de 60 a 70 cm, podendo ser
mais longa.
Ideal para rápidos golpes de corte e resistente, foi adotada
pela classe
guerreira (bushi). - Kodachi: é a tachi curta, com lâmina que mede mais de
1 shaku e menos de 2 (entre 30 e 60
cm). - Kozuka: pequena e fina
faca
utilitária, feita para se encaixar entre a saya
(bainha) e a tsuba (guarda, placa
redonda chata e vazada para proteger as mãos) de uma kataná.
Seu cabo trabalhado serve de complemento decorativo da saya. - Naginata: espada curta
montada num cabo longo, lança. Também chamada de yari. - Nodachi: kataná
extraordinariamente longa,
chegando a medir 3 shaku (90 cm), que
é carregada nas costas. É o mesmo que õdachi. - Sai: tridente com
lâmina central mais longa que as lâminas laterais, usada
para deter golpes de
um adversário com uma kataná. Dela
deriva o jitte, cassetete fino de
metal sem ponta viva, com um gancho no lugar do copo da empunhadura,
usada por
policiais na Era Edo (1603-1867). - Shotõ: nome que se dá a
qualquer espada curta, com lâmina medindo mais de 1 shaku e menos de 2 (entre 30 e 60 cm). - Tachi: refinada espada
pronunciadamente encurvada de ponta dupla, com corte de um só
lado da lâmina.
Longa (75cm em média), usada pendurada por correntes com uma
cinta, esse tipo
de espada foi adotada pela alta aristocracia a partir do séc.
VII. - Tantõ: adaga;
lâmina com
menos de 1 shaku (30 cm). Usada em
suicídio ritual. - Tsurugi: espada de dois
gumes e ponta dupla, similar às espadas ocidentais antigas,
feita no Japão na
Antigüidade. Seu formato e forma de fabricação
baseavam-se em modelos e
técnicas da China. - Wakizashi: é a kataná curta, medindo de 30 a 60 cm. CLASSIFICAÇÃO
HISTÓRICA DAS ESPADAS JAPONESAS Espadas japonesas, de acordo com a
época em que foram produzidas, são
classificadas nos períodos abaixo descritos. Há
porém discrepâncias entre as
datas exatas do período de abrangência de tais
períodos, que variam de acordo
com a fonte de informação ou autor. A
classificação a seguir consta da
"Japan Encyclopedia" de Louis Fréderic, publicada pela
Universidade
de Harvard. -
Jokotõ: "espada
antiga"; engloba espadas manufaturadas até meados da Era Heian
(794
-1192), por volta do ano 900. Também é chamado de
período Chokutõ. -
Kotõ: "espada
velha"; espadas feitas entre o ano 900 até o final da Era
Muromachi
(1333-1573) - Shintõ: "espada
nova"; as que foram manufaturadas do início da Era
Azuchi-Momoyama
(1574-1603) a meados da Era Edo (1603-1867), por volta de 1804. - Shin-shintõ:
"espada
novíssima", ou "espada moderna"; classificação
genérica para
todas as espadas feitas a partir de 1804. - Fukkõtõ:
"espada do
ressurgimento"; especifica espadas feitas de 1804 ao fim da Era Edo
(1867). - Kyûshintõ:
espadas feitas do
início da Era Meiji (1868-1912) a 1937, quando se inicia a
intervenção na
China, ano que os japoneses consideram o início da 2ª
Guerra. - Shinguntõ: "espada
do
exército"; feitas de 1937 a 1945 (fim da 2ª Guerra Mundial)
para o
exército. - Kaiguntõ: "espada
da
marinha"; feitas de 1937 a 1945 (fim da 2ª Guerra Mundial) para a
marinha. (obs.: tanto as "espadas do
exército" como as "espadas da
marinha" são classificadas genericamente como Guntõ, "espadas das forças armadas") PARA SABER MAIS
SOBRE A ESPADA JAPONESA O site Cultura Japonesa recomenda os
seguintes livros: -THE
CONNOISEUR'S BOOK OF JAPANESE SWORDS, de Kokan Nagayama, publicado pela
Kodansha International. -THE
CRAFT OF THE JAPANESE SWORD, de Leon e Hiroko Kapp, publicado pela
Kodansha
Intl. -THE JAPANESE SWORD: A COMPREHENSIVE GUIDE,
de Kanzan Sato, publicado
pela Kodansha Intl. Os livros acima podem ser adquiridos
pela internet, através dos sites da
Amazon (www.amazon.com) e da Barnes & Noble (www.bn.com), ou por
encomenda
através da Casa Ono (casaono@uol.com.br). -A MAGIA DA ESPADA JAPONESA, de George
Guimarães, publicado pela
Cultrix. Difícil de encontrar disponível em lojas, mas
pode ser encomendado
através das livrarias Saraiva e Cultura. -JAPÃO, A HARMONIA DOS
CONTRÁRIOS, de Benedicto Ferri de Barros,
publicado por T.A. Queiroz. Embora esteja esgotado, o livro é
suscinto e ideal
para os que querem se iniciar no assunto. O autor foi o primeiro
brasileiro
reconhecido como especialista em espadas japonesas e membro da Nippon Bijutsu Tõken Hozon Kyõkai (Sociedade
Para a Preservação das Espadas Artísticas do
Japão). Disponível para consulta
na biblioteca da Fundação Japão (Av. Paulista, 37
- 2º and., São Paulo/SP). Na tevê paga, o canal History Channel
freqüentemente reprisa o ótimo
documentário MESTRES: MASAMUNE, sobre o artesão que viveu
no século XIII e que
é considerado o melhor forjador de espadas do Japão de
todos os tempos. É
preciso consultar na grade de programação ou com a
operadora quando o documentário
virá ao ar novamente. 21/março/2006 AO USAR INFORMAÇÕES DESTE SITE,
NÃO DEIXE DE MENCIONAR A FONTE www.culturajaponesa.com.br
/katana -
Cristiane A. Sato LEMBRE-SE: AS INFORMAÇÕES
SÃO GRATUÍTAS, MAS ISTO NÃO LHE DÁ DIREITO
DE
SE APROPRIAR DESTA MATÉRIA. CITANDO
A FONTE, VOCÊ ESTARÁ COLABORANDO PARA QUE MAIS
E MELHORES INFORMAÇÕES SOBRE DIVERSOS ASSUNTOS SEJAM
DISPONIBILIZADOS EM
PORTUGUÊS.
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