out 252019
 

O evento existe há 60 anos, mas pouca gente sabe o que é, e mesmo aqueles que já participaram não costumam relatar o que viram. Por isso, resolvi escrever, como jornalista e como um dos palestrantes do evento.

O que é Convenção dos Nikkeis e Japoneses?

O primeiro evento, realizado em 1957, foi uma forma de agradecimento pela ajuda que os nikkeis do mundo inteiro enviou para o Japão destruído pela Segunda Guerra Mundial. Entre 1946 a 1952, as doações chegaram ao Japão por intermédio da LARA (Licensed Agencies for Relief in Asia), uma organização cristã, que conseguiu autorização para transportar os mantimentos, uma vez que não se podia enviar nada ao Japão nessa época. A ajuda somou 40 bilhões de ienes (no valor da época), em 1952, e 20% do montante foi enviado pelas comunidades nikkeis do mundo. Em 1956, com a adesão do Japão às Nações Unidas, tudo estava voltando à normalidade, e os estadistas da época resolveram mostrar um gesto de gratidão pela ajuda recebida, com a organização da Confraternização dos Nikkeis do Exterior. Em 1960, o evento ganhou o nome atual e passou a ser realizado todos os anos a partir de 1962.

Quem organiza a Convenção dos Nikkeis?

Em 1956, não havia no Japão entidades ligadas aos japoneses e descendentes do exterior, excetuando o Escritório de Comunicação dos Nikkeis do Exterior, que acabou centralizando os esforços para a realização da Confraternização de 1957. Em 1964, na quinta convenção, a presidência do Escritório (Associação) dos Nikkeis foi assumida pelo governador de Tóquio, que também era presidente da Associação Nacional dos Governadores. E desde então, todos os presidentes da Associação dos Nikkeis são presidentes da Associação dos Governadores, conseguindo assim apoio para angariar verbas em todas as províncias do País. Em 1967, a entidade passou a se chamar Associação Kaigai Nikkeijin Kyokai.  Além da Convenção dos Nikkeis, essa entidade organiza, junto com a Jica, a recepção de bolsistas do mundo inteiro, administra o Museu da Migração de Yokohama (no prédio da Jica), e tem um serviço de atendimento aos trabalhadores nikkeis no Japão, entre outras atividades. É mais fácil entender lendo o mangá do link: http://www.jadesas.or.jp/pt/about/conheca-a-historia-da-associacao-kaigai-nikeijin-kyokai-atraves-do-manga.html

Como foi a 60ª Convenção dos Nikkeis e Japoneses no Exterior

O evento foi realizado em três dias, de 1 a 3 de outubro de 2019, em Tóquio. No primeiro dia, 182 japoneses e descendentes de 19 países e 150 japoneses residentes no Japão participaram da cerimônia de abertura, que teve início pontualmente às 15h30, no salão do Kensei Kinenkai (Museu do Parlamento). Antes, o representante do Havaí proferiu palavras de abertura, o ex-ministro da Terra, Infraestrutura, Transportes e Turismo, e atual vice-ministro chefe de gabinete, Akihiro Nishimura, representando o primeiro-ministro Shinzo Abe, e o brasileiro Renato Ishikawa, presidente da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social foram anunciados para tomarem seus lugares. O casal Imperial, Imperador Naruhito e Imperatriz Masako, são recebidos sob longos aplausos. Geralmente, um membro da família Imperial participa da abertura, porém, este ano, como se tratava da 60ª, a Convenção recebeu essa honrosa presença.

Kamon Iizumi, presidente da Associação Kaigai Nikkeijin Kyokai, que é governador de Tokushima, lembrou que, como governador, mantém contato com as associações nikkeis do mundo todo e que sua província é conhecida pelo Awaodori. 150 anos após os primeiros imigrantes se estabelecerem em Havaí, vários países receberam os japoneses, que se caracterizavam valorização da educação, e essa é uma característica da cultura japonesa. Hoje, são quase 3 milhões de nikkeis. Iizumi afirmou que a primeira Convenção foi para agradecer os japoneses e descendentes que moravam no exterior e ajudaram na fase difícil do pós-guerra.

Akihiro Nishimura leu a mensagem do primeiro-ministro Shinzo Abe, que agradeceu a presença dos japoneses e descendentes que moram fora e estão participando do evento. Em sua mensagem relatou que visitou vários países e viu que os nikkeis são bem sucedidos em seu país, e não esqueceram os valores herdados de seus pais.

Renato Ishikawa agradeceu o apoio do Japão à comunidade nikkei do mundo inteiro. A maior delegação estrangeira no evento foi a brasileira. Foram 60 brasileiros. Os Estados Unidos levaram o segundo maior grupo, com 38 pessoas (sendo 18 somente do Havaí). México veio em seguida com 24, e o Peru com 12. Canadá 8, Indonésia 7, Argentina 6 foram outros grupos. Outros participantes vieram de: Bolívia, Paraguai, Chile, Cuba, República Dominicana, Colômbia, Austrália, Filipinas, Singapura, França, Holanda e Inglaterra.

Um vídeo com a história do evento foi apresentado sendo seguido por mensagens dos nikkeis, também em vídeo (a minha mensagem foi exibida, e muito aplaudida). Um rápido intervalo e às 16h30 começou a palestra do professor brasileiro Ângelo Ishii, que mora no Japão desde 1990.

A comunidade brasileira no Japão

Ângelo Ishii começou explicando que antes se considerava um sansei de kaigai nikkeijin (japonês que mora no exterior), mas hoje se afirma um issei de taizai nikkeijin  (descendente de japonês estabelecido no Japão). O professor apresentou os números do Ministério da Justiça de dezembro de 2018, onde consta a existência de 265.214 sul-americanos morando no Japão, sem incluir aqueles que ganharam a nacionalidade japonesa. Desse total, 201.865 são brasileiros, 48.362 são peruanos, 5.907 são bolivianos, 2.933 são colombianos, 2.428 são argentinos, 2.010 são paraguaios e 1.629 de outros países. Com a Lei de Imigração de 1990, o nikkei ganhou status diferenciado como estrangeiro, mas é difícil determinar com exatidão a data em que começou a imigração dos nikkeis para o Japão (fenômeno conhecido como “decasségui”), pois, ao contrário da imigração do início do século passado, o transporte não acontece mais em grandes grupos de navio. Sabe-se que os primeiros, que chegaram por conta própria, eram isseis, ou seja, nascidos no Japão e radicados no exterior. Eles começaram a “retornar” antes da década de 1980. Antes da Lei de 1990, eram os nascidos no Japão e os nisseis com visto de turista. Todos, no início, se preocupavam em ganhar dinheiro para enviar para o seu país, para ajudar sua família. Era o chamado “decasségui”. Bancos disputavam essas remessas (os maiores bancos tinham mais filiais no Japão do que nos Estados Unidos), surgiram lojas e restaurantes para brasileiros e jornais e revistas em português ou espanhol. Mais tarde, com os filhos nascendo e crescendo no Japão, muitos resolveram se instalar como imigrantes. Compraram casas e foram pedir visto permanente pensando em ficar para sempre no Japão. Se em 1998, apenas 2.644 brasileiros tinham visto permanente no Japão, em 2018 somaram-se 112.934 pessoas, embora isso não signifique que todas essas pessoas pretendam passar os restos dos seus dias no Japão. Hoje, muitos não querem mais se sujeitar ao trabalho pesado e sujo. Houve uma queda no número de nikkeis após a crise econômica japonesa que se seguiu à falência da Lehman Brothers nos Estados Unidos. Muitos perderam empregos e moradia na ocasião e muitos tiveram dificuldade para retornarem ao Brasil.

Em 2011, houve a tragédia do terremoto seguido de tsunami na região Tohoku (Nordeste), e aqui, muitos brasileiros do Japão foram ajudar nos rescaldos na área afetada. Levaram mantimentos ou foram ajudar no resgate dos sobreviventes, ou ainda foram tocar músicas brasileiras para alegrar os alojamentos para onde foram levadas as vítimas que perderam suas casas. O nikkei passou a participar como um integrante do Japão. Voluntários brasileiros foram os primeiros a chegarem na região atingida. Falta ao Japão entender que os nikkeis são uma comunidade presente no Japão e não são exatamente brasileiros.

Por fim, o professor Ishii falou sobre o fim da Era Decasségui e o início da Era dos Radicados no Japão, ou Zainichi Nikkeijin. Os nikkeis já criam empresas e contratam japoneses. Os brasileiros fazem cursos por correspondência morando no Japão e estão se graduando. São fatos pouco divulgados, mas refletem a evolução dessa comunidade radicada no Japão. O cantor Joe Hirata venceu o concurso nacional da TV NHK, retornou ao Brasil, faz shows para a comunidade, mas gravou e divulga a música country. Mas nem tudo são fatos positivos. Infelizmente, já houve até caso de um garoto brasileiro que foi assassinado por seus colegas por discriminação no Japão. Há também casos de crimes cometidos por brasileiros, mas não são muitos.

A palestra do prof. Ishii terminou às 17 horas, e logo em seguida o público foi conduzido para uma outra sala do mesmo estabelecimento, para o coquetel de boas vindas, que terminou às 19 horas.

Segundo dia – painéis de discussão

O segundo dia foi reservado para uma atividade mais intensa, com vários palestrantes e debates. Para quem não quis participar da programação desse dia, os organizadores deixaram a opção de fazer uma visita turística em Koedo, uma cidade que preserva o clima da antiga capital Edo. O tour saiu às 8h50 do hotel oficial do evento, o Monterey Hanzomon, e retornou às 17 horas direto para a recepção do final do dia.

A parte da programação da Convenção propriamente dita, foi realizada no edifício da JICA Ichigaya e começou às 10 horas, com a apresentação da primeira pauta do dia: Os 30 anos de experiência da comunidade nikkei no Japão. Aqui foram apresentados cases da experiência japonesa de receber os estrangeiros descendentes de japoneses. Kotaro Horisaka, professor da Sophia University e diretor gerente da Associação Kaigai Nikkenjin, foi o moderador. Yasuyuki  Kitawaki, reitor da Escola Uminohoshi Gakuin e ex-prefeito da cidade de Hamamatsu, falou sobre a grande comunidade de estrangeiros na cidade e as festas realizadas por eles. Hideto Nagaoka, prefeito da cidade de Izumo, falou sobre o grande número de estrangeiros enquanto a população local está diminuindo. Rosa Mercedes Ochante Muray, professora da Faculdade de Educação da Universidade de St. Andrew, mora em Iga, Mie, onde 1/6 da população é estrangeira (a maioria é brasileira). Ela falou das dificuldades que as crianças enfrentam para aprenderem o idioma japonês, e muitas precisam de apoio especial para acompanhar as aulas, e também que o exame de admissão nos colégios é bastante difícil para um estrangeiro. Por último, Eriko Suzuki, professora da Faculdade de Literatura da Kokushikan University, falou que muitos pretendem continuar morando no Japão, e o governo não está conseguindo atender a todas as necessidades, embora conte com a ajuda de NPOs (Organização Sem Fins Lucrativos). Houve perda de emprego com a crise Lehman Shock de 2008, e muitos não conseguiram recolocação e retornaram ao seu país de origem, outros não estão conseguindo se entrosar com a sociedade japonesa. O debate foi encerrado às 12 horas para o almoço (um obentô) no próprio local.

Relatório da atual situação da comunidade nikkei

Participaram desse painel, que começou às 13 horas e terminou às 15h15, Satoru Sato, conselheiro do Ministério dos Negócios Estrangeiros e responsável pela comunidade latino americana, e o professor Alberto Matsumoto, CEO da Idea Networking Consulting. Aqui foram divulgados resultados de uma pesquisa realizada entre os nikkeis. Interessantes foram os dados de Cuba, uma vez que há poucas informações sobre a comunidade nikkei daquele país. São 1500 os nikkeis cubanos. Desses, 4% estudaram uma vez no Japão, a maioria com a bolsa da JICA. 12% deles já estiveram no Japão (como se trata de uma pesquisa realizada no meio de pessoas ligadas às entidades japonesas, esse percentual se refere apenas a 14 ou 15 pessoas). 62% participam de festas japonesas.  Na Argentina, a mesma pesquisa revelou que: 16% já estudaram no Japão, e 62% já estiveram no Japão! (mais uma vez, trata-se de uma pesquisa seletiva realizada em entidades japonesas). 88% participam de eventos japoneses.

A segunda pauta da tarde contemplou o tema “Como transmitir a tradição através dos museus nikkeis?” O moderador foi Toshio Yanaguida, professor emérito da Keio University. Participaram Sherri Kajiwara, diretora do Nikkei National Museum Cultural Center, do Canadá; Mitsuko Kumagai, diretora geral do Museu de Migração da JICA de Yokohama; Alejandro Kasuga, do Museo de la Immigración Japonesa a México Akane; Abel Fukumoto, presidente da Asociación Peruano Japonesa; e Lidia Reiko Yamashita, presidente do Museu Histórico da Imigração Japonesa de São Paulo.

Sherri Kajiwawa apresentou o seu museu inaugurado em 2000, e que é mantido por doações de particulares e recebe apoio do governo do Canadá. Mitsuko Kumagai afirmou que o Museu da Migração de Yokohama visa preservar a história daqueles que foram morar no exterior, sua comunidade e seu desenvolvimento dentro e fora do Japão. Alejandro Kasuga explicou que o seu museu ocupa um espaço bastante pequeno, por isso, está se preparando para ser principalmente um museu digital, com acesso ao acervo pela internet. Esse museu é mantido pela Fundação Kasuga, que apoia projetos que tenham impacto na sociedade. Abel Fukumoto afirmou que os japoneses, antes mesmo da Segunda Guerra, nos anos 30 sofreram agressão no Peru, e durante a Segunda Guerra foram enviados para os campos de concentração nos Estados Unidos. Lidia Yamashita, do Brasil, falou sobre a inauguração do museu histórico em 1978 e sua evolução, e propôs que fosse realizado um simpósio específico sobre os museus nikkeis, e que o primeiro simpósio poderia ser realizado em São Paulo, em novembro de 2020. Essa ideia foi muito bem recebida por todos os participantes e por isso mesmo foi colocada nos termos da declaração conclusiva da 60ª Convenção. Depois de um intervalo de 10 minutos, começou a terceira pauta da tarde do segundo dia da Convenção.

Cooperação entre a sociedade nikkei – usando network e a identidade

O moderador dessa terceira parte foi o jornalista Yoshinori Nakai, diretor da Associação Kaigai Nikkeijin. Participaram o americano Michael Toshiro Omoto, engenheiro da empresa Mercari; o brasileiro André Saito, representante do Projeto Kakehashi Japão-Brasil; o brasileiro Francisco Noriyuki Sato, presidente da Abrademi – Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações; o indonésio Dimas Pradi, da Japan Indonesia Solutions, o brasileiro Rafael Hiroshi Fuchigami, doutorando no Tokyo College of Music; e a professora japonesa Michiko Sasaki, da J. F. Oberlin University.

Michael (Mike) Omoto já é da 4ª geração, yonsei, nos Estados Unidos. Formado em psicologia, depois estudou engenharia. Ele afirmou que no Japão não existem startups, aquelas empresas que começam do zero e se tornam grandes, embora o primeiro ministro Shinzo Abe tenha dito que quer 20 startups no Japão. Resolveu entrar na Mercari, justamente um negócio desse tipo, para trabalhar no Japão. Ele é a ponte de ligação entre os funcionários da empresa, pois 30 ou 40% deles só fala inglês. A empresa contratou engenheiros do mundo inteiro. Como voluntário, participou da Copani no Peru, e a Copani seguinte foi em São Francisco, cidade onde ele morava. Há muitos casos de nikkeis que fazem sucesso nas empresas, mas no Japão não se ouve falar deles. O Japão já foi líder em tecnologia, mas hoje a América Latina já superou em vários aspectos. Por exemplo, a Mercari foi o primeiro no mercado japonês e hoje existem mais três empresas do mesmo tipo. Na América Latina, a Mercado Livre, que oferece o mesmo que a Mercari, começou bem antes e hoje existem muitas empresas concorrentes.

André Saito falou do Kakehashi Project, que conta com o apoio da Associação Kaigai Nikkeijin e do Bunkyo do Brasil. Eles participaram do 59ª Convenção, que foi no Havaí, e lá tiveram a ideia de montar uma atividade que se trata de gestão de conhecimento. Trata-se de um compartilhamento de conhecimento em grupo. 1 – Storytelling – compartilhar e se conectar com a cultura ouvindo. 2 – Sense – palavras que representam a situação. Compartilhamento em grupos menores de 5 a 7 pessoas. 3 – Mapeamento do contexto –Um grupo de 40 pessoas coletam as palavras e escolhe as mais representativas. Alguns valores aparecem com mais frequência. Esse grupo realizou um evento para mais de 900 pessoas em São Paulo, no Dia Internacional do Nikkei e vem treinando facilitadores para continuar com o trabalho já realizado em diversas associações de nikkeis do Brasil.

Francisco Noriyuki Sato falou sobre o “Mangá e a Identidade Nikkei”. Começou falando dos pioneiros imigrantes no Brasil. Depois de se assentarem, ainda enquanto passavam dificuldades para sobreviverem, construíram escolas japonesas para que seus filhos pudessem estudar. Essas escolas eram também academias de judô, kendô e mais alguma coisa se alguém pudesse ensinar. Quando empresas japonesas começaram a adquirir grandes terrenos no Brasil, os japoneses já passaram a vir como proprietários de terra, formando uma cidade de japoneses. Ali existiam livrarias japonesas e a cultura pôde ser mantida. Isso ficou inviável com o início da Segunda Guerra Mundial, quando os livros, revistas e jornais do Japão foram proibidos. Mesmo os aparelhos de rádio foram confiscados das casas de japoneses, e as escolas tiveram que ser fechadas. Em 1953, no pós-guerra, foi inaugurado o Cine Niterói no bairro da Liberdade, e seguiram outras casas: Cine Jóia, Cine Nippon e o Cine Tokyo. Todos exibiam somente filmes japoneses e até os primeiros animês nas matinés. Como todos os filmes tinham que ter legenda em português, mesmo quem não entendia o idioma japonês podia assistir aos filmes. Mesmo assim, ainda era a cultura japonesa para japoneses e descendentes. Em 1964, a série de live-action National Kid foi exibida. Como a TV só exibia séries americanas, personagem japonês, quando havia, era sempre o vilão ou o cômico, nunca uma pessoa comum. E o National Kid, apesar de ser um garoto propaganda da empresa Matsushita Electric (Panasonic), apareceu como um herói com cara de japonês. Para uma criança nikkei da época, isso tinha um significado muito forte. Um herói japonês. Como tinha grande audiência, pois passava logo depois do campeão de audiência da época, que era o Programa Jovem Guarda, comandado pelo trio Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, todas as crianças das casas que tinham TV sabiam desse herói. Depois, vieram outros heróis, como o Ultraman, Jaspion e Kamen Rider. E os animês japoneses, como Cavaleiros do Zodíaco, Sailor Moon e Dragon Ball, foram exibidos alcançando grande sucesso. Muitas crianças brasileiras, sem ascendência japonesa, passaram a ver o Japão com bons olhos depois dessas séries. E se hoje, as crianças levam os pais para comerem sushi e lámen, é graças aos animês e mangás. Outro ponto interessante na questão de identidade aparece nos nomes. Metade dos nikkeis da minha geração não possui nome do meio em japonês. No meu caso, Francisco Noriyuki Sato, Noriyuki é claro, é o nome em japonês. Sem ele, seria apenas Francisco Sato. Os pais da época, que eram isseis, em geral, diziam que seu filho não precisava do nome japonês, pois ele iria morar sempre no Brasil. Hoje, ao contrário, praticamente todos os yonseis e goseis (de quarta e quinta geração), mesmo sendo mestiços, possuem o nome em japonês. Muitos deles não possuem o sobrenome em japonês, mas mesmo assim colocaram o nome do meio em japonês. Vi um caso desses no Japão, numa reportagem que falava dos vencedores de um concurso de oratória do curso colegial. Três jovens foram as vencedoras, e uma delas era brasileira. Ela tinha ao todo seis nomes e sobrenomes, os sobrenomes eram em português, mas um dos nomes era em japonês. Sem isso não havia como identificar que era nikkei. Enfim, a preocupação em manter um nome japonês mostra o quanto se valoriza a parte japonesa. Muito diferente da década de 50 e 60, quando os pais da época podem ter crescido sofrendo preconceito do pós-guerra.

Dimas Pradi é um jovem muçulmano da Indonésia, nikkei da quarta geração, que mora no Japão. Ele explicou que o muçulmano tem uma rotina difícil, por exemplo, tem que rezar cinco vezes ao dia, e no ramadan há um regime de dieta, e que no Japão há algo parecido no budismo. Ele atuou como voluntário em eventos de Hamamatsu, onde vivem muitos estrangeiros, e fundou a Coffee House Campur. Hoje mora em Naha, Okinawa, com seus dois filhos. Como o local é turístico, atuou como intérprete para turistas, pois fala fluentemente o japonês. Aqui ele criou a Halal Kitchen Project, para fornecer produtos para a culinária muçulmana e conseguiu um espaço para isso em Shizuoka, e conseguiu ocupar espaços ociosos também em Shiga, onde cultiva soja e produz tempeh, que é um produto dietético à base de soja. Ele é representante da Japan Indonesia Solutions.

Rafael Fuchigami é um curioso caso de um nikkei, que praticava flauta no Brasil e não tinha contato com a cultura japonesa até conseguir uma bolsa para estudar no Japão. Hoje faz doutorado em música na Tokyo College of Music, e sua especialidade é o shakuhachi.  Ele revelou que de 60 pessoas que tocam shakuhachi no Brasil, apenas 21 são nikkeis, tal a difusão desse instrumento musical na sociedade brasileira.

Michiko Sassaki falou da reforma de ensino do Japão, aprovado em junho de 2019, que inclui o ensino do japonês para estrangeiros. Antes, o ensino só contemplava os japoneses. Foi preciso fazer um abaixo assinado para que esse item fosse incluído. A Associação de Ensino do Japonês no Exterior conta com 300 associados, mas o abaixo assinado teve mais de 2 mil assinaturas.

Às 17h10 houve o intervalo para o café, e às 17h30 foi lida um rascunho da Declaração da 60ª Convenção dos Nikkeis, e às 18 horas foi encerrada a sessão, sendo os participantes conduzidos de ônibus para uma recepção oferecida pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros entre 18h30 e 19h30.

Terceiro e último dia – palestras de 5 minutos

O último dia do evento foi também no Kensei Kinenkai, como no dia da abertura. Nesse dia, a pauta foi ouvir o ponto de vista dos nikkeis em relação a Nova Era Reiwa e a comunidade nikkei. Os trabalhos tiveram início às 10 horas.

Sandy Chan, gerente geral do Japanese Canadian Cultural Centre falou sobre “Almejando o progresso da comunidade nikkei”. Masafumi Honda, professor da University of Hawaii at Hilo, falou do trabalho realizado na escavação de túmulos dos antigos imigrantes japoneses cobertos pela lava do vulcão, e o resgate dos valores a partir desse trabalho. Falou também da construção de um dohyo, a arena para a luta do sumô em Havaí. Hitoshi Itagaki, japonês residente no Canadá falou sobre a tecnologia que pode ser exportada para outros países, citando o caso de processamento de grãos de café, cujo trabalho foi desenvolvido em conjunto com uma universidade. Sachiko Kobayashi, do Havaí, disse que trabalha para divulgar as maravilhas do Japão no país onde reside. O pai dela, Kiyoshi Kobayashi, foi um grande mestre do judô em Portugal, país onde ela chegou a morar e estudar. Derek Kenji Pinillos Matsuda é um peruano residente no Japão. Professor da Ochanomizu University Internacional Education Center, Derek falou sobre o aspecto multicultural do nikkei. Por fim, o engenheiro Alexandre Kawase, sansei do Brasil, falou sobre o Kakehashi Project. (Projeto Geração).

Às 10h45, começaram as apresentações dos nikkeis que moram no Japão. Kaiki Okuyama, de 15 anos, estudante do 3º ano ginasial na Escola Opção, mora em Ibaraki e falou sobre “Eu, dez anos depois”. Vinícius Hamaya, brasileiro, também de 15 anos, que estuda o primeiro colegial na Escola Opção, falou sob o mesmo tema. Megumi Yamanouchi P. Mallari, das Filipinas, estudante da Sophia University, discorreu sob o mesmo assunto. Luis Alberto Asato Torres, peruano, estudante de doutorado da Tokyo University of Agriculture e Technology, falou sobre se tornar uma pessoa internacional, educada e conectada com as pessoas. O curioso é que ele nasceu no Japão em 1999. Quando foi visitar o Museu da Migração de Yokohama, aos 10 anos de idade, se sentiu um nikkei e passou a dizer que era um nikkei peruano.

Após as apresentações, o Presidente Executivo da Associação Kaigai Nikkeijin Kyoukai, o ex-embaixador Katsuyuki Tanaka, teceu comentários sobre cada uma das apresentações desses jovens nikkeis. Em seguida, a versão final da  foi lida para o público e aprovada por unanimidade (clique no texto ao lado para ler – versão em inglês). O almoço de despedida foi oferecido pelo presidente da Câmara dos Deputados e terminou às 13 horas.

Assim foi a 60ª Convenção de Nikkeis e Japoneses no Exterior, realizado em Tóquio, em 2019.

Meu comentário pessoal:

Nota-se a preocupação dos japoneses em relação à adaptação e o bem-estar dos nikkeis que moram e trabalham no Japão. Metade desse evento abordou o tema dos que foram como decasséguis e de seus filhos. Na outra metade, falou-se sobre o quê os nikkeis estão fazendo para preservar a cultura japonesa.

Embora não haja uma pesquisa, e isso deveria ser levantado, os nikkeis compõem uma camada privilegiada da população mundial. Possuindo duas culturas, consegue ter ideias diferentes da convencional. Creio que em termos de escolaridade, os nikkeis na média estudam muito mais do que os seus colegas não nikkeis. Em geral, se formam em universidades e muitos continuam estudando por muitos anos. Os nikkeis que possuem curso superior completo devem somar 60% de todos os nikkeis, um índice altíssimo, semelhante ao do Japão. Mesmo em termos de renda, não devem estar abaixo da média dos japoneses, que hoje trabalham muito e ganham pouco.

A impressão geral do evento é de confraternização. Há momentos mais solenes, como na abertura com a presença do Casal Imperial, mas em geral prevalece um clima descontraído entre os participantes. É interessante que uma pessoa que sempre morou nos Estados Unidos e uma outra que mora nas Filipinas ou no Brasil tenha tantas coisas em comum, pelo fato de serem nikkeis. Eu acho que todos os descendentes deveriam participar, para conversar e compartilhar nossas experiências tão ricas com outros nikkeis.

Duas semanas depois do final do evento, eu recebi um formulário para fazer comentários. Creio que todos os participantes tenham recebido. Eu sugeri que a cada ano se escolhesse um país participante, para que ela possa apresentar sua cultura, expor suas artes e produtos mais típicos para todos conhecerem. Como é um evento com uma grande presença da mídia, seria também uma propaganda dos produtos daquele país. Poderia também reservar os dois almoços para servir alimentos típicos daquele país. Por exemplo, se o Brasil for escolhido, mandioca frita, tapioca, pão de queijo, pastel, suco de goiaba, de maracujá, de acerola num dia. No outro dia poderia ser feijoada e caipirinha. Isso seria cobrado dos participantes para pagar as despesas do material e de transporte. Seria uma atração a mais para o evento. Sei que dá bastante trabalho, mas se são 19 países, o trabalho será uma vez a cada 19 anos.

Há coisas que podemos fazer para ajudar o Japão. Sim, ajudar o Japão, mas esse é um outro assunto para uma outra matéria. Obrigado por ter lido até aqui!

Francisco Noriyuki Sato – Jornalista e professor de História do Japão.

ago 312019
 

A Associação Kaigai Nikkeijin Kyokai realiza, anualmente, uma convenção reunindo os japoneses e descendentes do mundo inteiro. A primeira delas foi realizada em 1957. Este ano, que é a 60ª, será realizada nos dias 1º, 2 e 3 de outubro de 2019, em Tóquio, com previsão de participação de 20 países, dentre os quais representantes do Brasil.

Tema

Nova Era do Japão “Reiwa”e a Sociedade Nikkei como a Ponte de Internacionalização

Participantes

20 países, com a previsão de aproximadamente 200 pessoas

Programa
【1º DIA – 1 de Outubro (terça-feira)】
Local: Kensei Kinenkan
Horário:
13:30~15:00 Registro dos participantes
15:30~17:00 Cerimônia Memorial, Apresentação dos Países Participantes
Conferência Principal 
Prof. Angelo Ishii, Universidade de Musashi 
17:30~19:00 Recepção de Confraternização

【2º DIA – 2 de Outubro (quarta-feira)】
*Escolher entre a Programação A ou B

Programação A: Simpósio Internacional (Painel de Discussão)
Local: JICA Ichigaya
Horário: 10:00~17:30
Parte 1: Sessão Especial:”Experiência de 30 anos dos Nikkeis no Japão – Olhando a Internacionalização Interna da Sociedade Japonesa”
Parte 2: Museus (arquivos) Nikkei
Parte 3: Cooperação com a sociedade Nikkei
(Negócios, Cultura, Revitalização Regional)

Programação BExcursão Oficial (PDF)
※Inscrição fechada.
Local de Encontro: – Hotel Monterey Hanzomon
– Kensei Kinenkan (Nagata-cho)
Horário: 8:50~16:30
Roteiro: Koedo Kawagoe – cidade histórica preservando a cultura e atmosfera da antiga Edo, outros

Programação A e B
Local: Iikura Koukan
Horário: 18:30~19:30
Recepção de Boas vindas oferecido pelo Ministério das Relações Exteriores do Japão

【3º DIA – 3 de Outubro (quinta-feita)】
Local: Kensei Kinenkan
Horário: 
10:00~10:45 Opinião dos Nikkeis “”Reiwa”Nova Era do Japão e a Sociedade Nikkei” (5 minutos de discurso) 
10:45~11:25 Concurso de Oratória dos Nikkeis do Japão
11:25~11:40 Adoção da Declaração de Proposta
12:00~13:00 Almoço com a cortesia do Presidente da Câmara dos Representantes dos conselheiros e dos Vereadores

【Evento Relacionado – 29 de Setembro (domingo)】
Local: HIT STUDIO TOKYO
Horário: 14:00~16:30 Festival do Karaoke

※Poderá haver alteração do programa de acordo com as circunstâncias.

Inscrições e detalhes: http://www.jadesas.or.jp/pt/taikai/60th.html

A origem da Convenção

Durante a Segunda Guerra Mundial, 120 mil japoneses e nikkeis da segunda geração, que viviam nas respectivas localidades dos Estados Unidos, foram alojados em campos de concentração americanos. Tendo conhecimento desta situação, o Japão enviou por meio da Cruz Vermelha, missô, shoyu, livros japoneses, entre outros artigos para este campo americano. Em setembro de 1945, no meio da confusão após a derrota do Japão, vendo a situação difícil que a população japonesa passava, sofrendo com a falta de alimentos e outros itens essenciais para o dia-a-dia, eles enviaram desde 1946 a 1952 suprimentos de ajuda denominados LARA, com alimentos como leite em pó e vestimentas para sua pátria, como sinal de agradecimento pelos artigos enviados aos campos de concentração nos Estados Unidos.

LARA é o nome da organização de apoio na Ásia que foi estabelecida, centrada em uma entidade cristã e União dos Trabalhadores, sendo a abreviação de Licensed Agencies for Relief in Asia (Agências Licenciadas para Apoio na Ásia). A contribuição através do envio de suprimentos LARA, correspondeu ao equivalente a mais de 40 bilhões de ienes na época, em 1952. Dentre eles, cerca de 20% ou 8 bilhões de ienes de todos os suprimentos de ajuda, foram contribuições feitas pela comunidade nikkei do exterior. Ela iniciou suas atividades com a autorização do Comitê de Controle de Ajuda de Washington em junho de 1946. E assim, não apenas nos Estados Unidos, mas também no Canadá, México, Brasil, Argentina e outros países, passaram a se criar organizações nikkeis para ajudar o Japão, tendo suas atividades intermediadas pela Cruz Vermelha de seus respectivos países. No final de 1956, com a adesão do Japão ao quadro das Nações Unidas, em gratidão ao caloroso compatriotismo apresentado pelos nikkeis por meio do envio dos suprimentos de ajuda, os parlamentares japoneses juntamente com outras entidades, decidiram realizar em Tóquio, a Confraternização dos Nikkeis do Exterior alusiva à adesão do Japão ao quadro das Nações Unidas (1ª Convenção) em maio de 1957.

A partir da segunda convenção em 1960, ela passou a ser denominada Convenção dos Nikkeis e Japoneses no Exterior, e vem sendo realizada anualmente a partir da terceira convenção, realizada em 1962.

maio 132019
 


Mayu Miyazaki guardou as bagagens e se acomodou na apertada poltrona do Boeing da Qatar, em Narita, com destino a São Paulo. Olhou para cima e viu outros passageiros, todos desconhecidos, assentando suas bolsas, mochilas e sacolas. Cada passageiro tinha sua história, é claro, e o dia do embarque deve ter sido corrido para a maioria, mas esse dia 10 de abril tinha sido muito longo para essa menina de apenas 16 anos de idade.

No momento do famoso discurso

Há apenas algumas horas ela estava deixando o centro do palco do grande salão do Kokuritsu Gekijô (Teatro Nacional), de Tóquio, sob uma salva de calorosos aplausos, com um público de mais de 1800 pessoas, formado por deputados, professores e grandes empresários do país. Ela, uma brasileira, trineta de japoneses (5ª geração – gosei) por parte da mãe, e neta (3ª geração – sansei) por parte do pai, discursou naquele ambiente solene, para todo o Japão. Era a Cerimônia de Celebração pelos 30 anos de Entronização do Imperador Akihito, na verdade, um evento de despedida e homenagem ao casal imperial, que em 20 dias deixaria o trono para o príncipe Naruhito.

Mayu foi a última a ser chamada para discursar, aumentando o nervosismo da espera. Antes dela, oito pessoas discursaram, todos homens, e nenhum deles era jovem ou inexperiente. Pelo contrário, eram destacados formadores de opinião, como o professor Shinya Yamanaka, prêmio Nobel de Medicina, e o ator e diretor de cinema Takeshi Kitano. O primeiro-ministro Shinzo Abe e o Hiroaki Nakanishi, presidente da poderosa Federação Econômica (Keidanren) também falaram antes dela.

É certo que todos os convidados desfilaram belos discursos, mas a Mayu foi a única pessoa a falar sem levar o texto escrito. Na escola em São Paulo, ela teve a chance de praticar a oratória em japonês, mas nunca falou para um público tão grande e nunca se preparou para falar durante cinco minutos. E se o público esperava um discurso cheio de palavras e entonações erradas, ficou muito surpreso com a perfeição da dicção e a escolha cuidadosa das palavras. Foi um discurso impecável, e ao contrário dos discursos mornos que jovens japoneses costumam fazer, ela conseguiu transmitir emoção, talvez uma manifestação do seu lado brasileiro. Representando a comunidade japonesa de fora do país, ela disse que seus antepassados trabalharam duro, mas nunca puderam retornar ao Japão e presenciaram situações tristes em sua vida no Brasil. Mas graças a eles, ela pôde ter uma vida melhor e estudar. Lembrando a visita que fez ao casal de imperadores, ela disse: “Se os meus antepassados tivessem tido a oportunidade de falar com o casal imperial certamente se encheriam de lágrimas de felicidade. As mãos quentes da imperatriz e o olhar gentil do imperador nos deram coragem e força”. Ao final de suas palavras, ela diz “Eu sou brasileira e amo o Brasil, mas o Japão está dentro de mim”.

A apresentadora de TV e jornalista internacional, Kaori Arimoto, assistiu à Cerimônia e se emocionou com o discurso de Mayu. Ela conseguiu autorização junto ao comitê organizador do evento para exibir a apresentação da brasileira no seu programa Toranomon News, e lamentou que nenhuma outra emissora tenha exibido esse trecho do evento, que ela considerou o mais valioso daquele dia.

Depois de mais de 30 horas de viagem, foram apenas quatro dias no Japão, o que é muito cansativo, mas Mayu sabia que tinha mesmo valido a pena. Na viagem de volta, ela sentiu principalmente o alívio por ter cumprido a maior missão de sua vida: representar o Brasil, a comunidade nikkei e a comunidade brasileira que vive no Japão.

Tudo começou muito antes

Mayu na formatura do curso de japonês

Apesar do convite para a participação da Mayu Miyazaki naquele memorável evento tenha chegado no mês de março, tudo começou muito tempo atrás. Atual estudante do 3º ano do Colégio Etapa, ela estudou no Colégio Oshiman e estuda o idioma japonês na Escola Shokaku, do mesmo grupo. O colégio Oshiman realiza uma excursão a cada dois anos para o Japão, sempre no final do ano. Mayu fez parte do último grupo, que viajou em dezembro de 2018. Antes disso, a professora pediu para que a Mayu escrevesse uma mensagem ao casal imperial para mandar para o Japão. A jovem estava no período de férias e confessou que estava com preguiça, mas acabou escrevendo uma mensagem de felicitações pelo ano novo, avisando que iria integrar o grupo de 32 alunos da escola que visitaria o Palácio Imperial, e que gostaria de se encontrar com o casal. Ela levou o texto para a escola e a professora corrigiu. Voltou e reescreveu por cinco vezes e depois passou a limpo, caprichando bem nas letras.  A carta foi lida pelo Imperador, e no dia dois de janeiro deste ano, o grupo foi recepcionado pelo próprio casal imperial, o que só havia acontecido uma única vez em 22 visitas feitas em 44 anos pela escola. 27 mil pessoas estavam no jardim do Palácio Imperial para ver de longe o breve discurso e aceno do imperador. E o grupo do Oshiman foi convidado a entrar no salão do Palácio. Durante essa visita, a imperatriz Michiko chamou a Mayu Miyazaki pelo nome e fez questão de falar com ela. “Na hora eu estava muito nervosa, não sabia que seria chamada pela imperatriz, e só consegui agradecer”, explica a estudante.

A imperatriz Michiko comentou que “no idioma japonês o kanji é difícil e as palavras também são difíceis, mas deve se esforçar para aprendê-los. E agradeça a seus pais e seus antepassados por esse aprendizado”. Já o imperador Akihito falou “Espero que seus sonhos se realizem. Soube que quer ser uma médica”. “Foi muita emoção. Percebi que o imperador e a imperatriz são pessoas muito generosas. Todo o mundo estava chorando no final, tal a emoção em poder encontrar com eles”, conta Mayu.

Como resultado desse encontro, a Mayu recebeu depois um convite para participar da Cerimônia de Celebração pelos 30 anos de Entronização do Imperador Akihito. A professora Mayumi Kawamura Madueño Silva chefiou a delegação da Oshiman e também  acompanhou a Mayu na Cerimônia de Celebração.

Durante um campeonato de Kendô representando a província de Mie com o irmão Shogo.

O caminho para a fluência no idioma

“Tudo o que você planta você colhe, um dia terá retorno. Eu acho que todos os jovens precisam estudar”, disse Mayu numa entrevista ao vivo no canal Afrodeks TV de Leandro Neves dos Santos, quando ele pediu uma mensagem aos jovens brasileiros que trabalham no Japão.

De fato, conforme explica o pai, Carlos Yukito Miyazaki, estudar tem sido uma rotina na vida, não só da Mayu, mas de toda a família Miyazaki. Carlos e Márcia, os pais, são ambos descendentes de originários da província de Kumamoto e ex-bolsistas da JICA – Japan International Cooperation Agency, da turma de 1996~1998. Carlos havia sido bolsista também em 1991, e a Márcia acaba de retornar da bolsa de curta duração de revitalização através da culinária na comunidade nikkei, também da JICA.

Presbítero da Igreja Evangélica Holiness, Carlos conta que o casal assistiu a uma palestra onde se ressaltava a importância das pessoas serem bilíngues. Resolveram ser radicais para aplicar esse conceito. Em casa, passaram a se falar somente em japonês. A Mayu tinha então três anos de idade. “A primeira providência foi colocar os filhos no yochien (jardim da infância) do Colégio Itatiaia, e pedimos que eles ficassem junto com as crianças japonesas, filhos de expatriados. Em poucos meses ela ficou fluente. Depois mantivemos o hábito de somente assistir TV japonesa (animês, novelas, etc). Essa regra foi mantida até a Mayu completar dez anos”, comenta Carlos.  “Fizemos questão que ela estudasse japonês seguindo os livros utilizados nas escolas japonesas”, completa o pai, demonstrando a dedicação para que seus filhos, Mayu (16 anos), Shogo (15) e Aya (13) ficassem fluentes em japonês. No caso da Mayu, o seu êxito precisa ser dividido com uma grande figura, a professora Marico Kawamura, hoje com 91 anos de idade. Desde o início, essa fundadora do Colégio Oshiman acreditou no potencial da Mayu e fez questão de dar aulas de japonês pessoalmente, nos últimos seis ou sete anos, ensinando os detalhes de cada ideograma e seus significados nos poemas clássicos.

Fora isso, a família frequenta a igreja onde a maioria é nikkei. A Mayu treina kendô na Associação Cultural Mie Kenjin do Brasil, onde conseguiu o segundo “dan”. E, pela Associação Mie, ajuda todos os anos no estande de alimentação do Festival do Japão.

Com toda essa ligação com a comunidade nikkei, Mayu pensa em fazer o curso superior no Japão, ou mesmo a pós-graduação, e pretende trabalhar como médica no Brasil e no Japão. Vamos torcer para que os sonhos dela se concretizem. Capacidade e torcida ela têm.

Francisco Noriyuki Sato

Jornalista e editor, professor de História do Japão.

fev 082019
 

Pesquisa realizada por uma empresa independente com 1.212 pessoas de ambos os sexos acima de 20 anos de idade, em todo o Japão, em 2015, revelou que o beisebol continua sendo o esporte preferido, seguido pelo futebol e o tênis de campo. Entre as novas modalidades adicionadas nos próximos Jogos de Tóquio, 70% disseram preferir o beisebol e o softbol, seguidos pelo karatê e o boliche.

Um esporte que surgiu entre os samurais, o kyudô ainda é praticado nas escolas, principalmente pelas meninas © Lilac and Honey

O beisebol é, há muito tempo, o esporte nacional do Japão. Em quase todas as escolas, o campo ocupa um bom pedaço do terreno disponível e, talvez por isso, os jogadores mirins são vistos em qualquer lugar. O campeonato nacional colegial da modalidade, conhecido como Koshien, que é o nome do campo onde se realizam os principais jogos, é um grande evento de verão e é transmitido para todo o país.
O beisebol foi introduzido em 1872 e a liga profissional foi fundada em 1936. Em 1950, devido a grande quantidade de times, a mesma foi dividida em Liga Central, com as equipes mais antigas, e a Liga Pacífico, com os clubes novos da época. Ambas continuam até hoje. Atletas americanos, cubanos, nicaraguenses e até brasileiros são convidados a jogar nesses disputados torneios, porém, o regulamento permite a participação de apenas quatro jogadores estrangeiros por time.

Principal modalidade no Brasil, o futebol só se tornou popular há pouco mais de 20 anos, mais exatamente em 1992 quando a J-League foi fundada reunindo 18 times. Apesar disso, a história revela que um grupo de amadores disputou os Jogos Olímpicos de Berlin, em 1936, com a camisa do Japão, derrotando a então poderosa Suécia por 3 a 2. Já na categoria feminina, o futebol é pouco praticado e há poucos torcedores. Isso poderá mudar dependendo dos próximos resultados, pois a equipe feminina japonesa conquistou surpreendentemente a Copa do Mundo de 2011, vencendo os Estados Unidos na final.

Ekiden: tradicionais maratonas realizadas para todas as faixas etárias © Naoko

Yamate Park, em Yokohama, foi o primeiro parque em estilo ocidental construído no Japão, em 1870. Reduto de estrangeiros, o local sediou a primeira partida de tênis em solo japonês em 1876. E, dois anos depois, foram construídas quatro quadras no local, marcando a chegada oficial do esporte naquele país.

Quando foi proposto ensinar a educação física no estilo ocidental nas escolas, o tênis de campo foi uma das modalidades escolhidas. Na época, as bolas eram importadas e caras, sendo substituídas por aquelas flexíveis de borracha. E assim surgiu o soft tênis, que ainda hoje é muito praticado em escolas. Desde o sucesso de Kei Nishikori, que chegou a ser o número 4 do mundo em 2015, a modalidade ganha bastante destaque na mídia, o que poderá levar ao surgimento de outros bons atletas.

Correr e correr

Embora os japoneses não sejam os campeões da modalidade, a maratona é bastante praticada no Japão. Assim como no Brasil, as corridas de rua são populares e contam com muitos participantes. Por ser um país que prioriza o trabalho em grupo, era natural que o povo nipônico tivesse preferência por modalidades em equipe. É o que acontece com a corrida de revezamento. A primeira, conhecida como Ekiden, foi criada em 1917 pelo jornal Yomiuri Shimbun, em um percurso de 508 km ligando Quioto a Tóquio. Atualmente, diversos Ekiden são realizados em todo o Japão e o percurso varia bastante.

No campeonato nacional ginasial, por exemplo, cinco meninas correm 12 km no total, enquanto seis garotos perfazem um percurso maior, de 18 km. Já no campeonato colegial, cinco meninas devem correr 21 km e os sete meninos correm o dobro, 42,195 km. No campeonato interestadual, nove mulheres correm 42,195 km, enquanto sete homens correm 48 km. Há outros campeonatos universitários e regionais, sendo que o percurso mais longo é o Kyushu Ekiden, com 1064 km, cuja prova começou em 1951, sendo o percurso mais longo do mundo. A prova é realizada em dez dias. Os campeonatos são bastante populares e os principais contam com transmissão ao vivo pelas TVs.

A prática do kendô foi proibida em 1946 pelas forças de ocupação, mas voltou a ser praticado em 1950 © Youkaine

Apesar de não ser a modalidade mais praticada nas escolas, o basquete vem ganhando destaque desde que Yuta Yabuse, de 1,75 metros, trocou a equipe Toyota Alvark, onde disputou a Liga Japonesa, pelo Dallas Mavericks da NBA americana, em 2003. Ele trocou de time várias vezes e retornou ao Japão em 2008.

Seis anos mais jovem e mais alto, Takuya Kawamura, de 1,93 metros, seguiu do Japão para os EUA em 2009 para jogar no Phoenix Suns e hoje defende o Yokohama B-Corsairs no Japão. Além deles, merece destaque o desenhista Takehiko Inoue que, entre 1990 e 1996, produziu a série de mangá “Slum Dunk”, um grande sucesso, que alcançou mais de 120 milhões de exemplares vendidos, enfocando o basquete como tema. O sucesso desse mangá teria levado muitas a crianças a se interessarem pela modalidade. Inoue foi homenageado em 2010 pela Japan Basketball Association, na comemoração do 80º aniversário da entidade.

Sendo um dos países mais estruturados do mundo, todos os atletas e visitantes que presenciarão os Jogos Olímpicos de Tóquio, em 2020, esperam encontrar uma organização exemplar e uma perfeição em todos os detalhes quanto aos serviços locais. Dedicados como são, é possível que os japoneses consigam atender às expectativas dos visitantes e não farão feio. Por outro lado, não é possível, evidentemente, prever as medalhas que os japoneses conquistarão em seu território. Para isso, além do desempenho individual, contará com o investimento feito ao longo dos anos nas escolas e nas categorias infantis de cada modalidade disputada.

Autor: Francisco Noriyuki Sato, jornalista e editor. Escrito em Julho de 2017

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A prática esportiva começa bem cedo no Japão

fev 072019
 

 

Crianças participam do Undoukai nas escolas e se preparam para provas de corrida © Chris Lewis

Cinquenta e três anos depois dos primeiros Jogos Olímpicos realizados em Tóquio, em 1964, o Japão se prepara para o novo e grande desafio, as Olimpíadas de 2020. Estarão os atletas japoneses preparados para essa responsabilidade?

Yabusame, esporte dos samurais, continua sendo preservado como tradição cultural © Miki Yoshihito

A expectativa é grande. Se em 1964 eram 20 as modalidades disputadas, no próximo Jogos serão 28, além de outras 18 introduzidas em caráter experimental. A concorrência também aumentou. Em 1964 eram 93 países e 5 mil atletas, e para 2020 espera-se a participação de 206 países e 11 mil participantes, a exemplo do que foi nos Jogos realizados no Rio de Janeiro. Para os atletas japoneses, a expectativa é ainda maior, levando-se em conta o peso da responsabilidade de um ótimo desempenho na competição sediada pelo seu próprio país.

Aliás, as Olimpíadas de 1964 deixaram um gosto amargo no coração dos japoneses justamente no judô, esporte originário do país e que estreou naquele ano na competição. Das quatro categorias disputadas, três foram vencidas pelos japoneses, o que era esperado, mas na categoria livre (independente do peso), o gigante holandês Antonius Geesink derrotou o grande campeão e ídolo local Akio Kaminaga na luta decisiva e ficou com a medalha de ouro.

Foi uma notícia em que ninguém acreditaria se não fosse a transmissão pela TV para todo o território nacional. Tominaga tinha 1,79 metros e 102 kg, enquanto o holandês media 1,98 metros e 120 kg, mas acreditava-se que o atleta japonês conseguiria superar a diferença de peso entre eles. Tominaga parou de lutar no ano seguinte, devido à doença na retina. Geesink trocou o tatame pelo ringue de luta-livre e atuou no Japão em parceria com os renomados lutadores da época. Obteve depois o título de doutor com uma tese sobre o judô na Universidade Kokushikan e chegou ao 10º dan.

Em 1964, havia o esforço coletivo de mostrar o novo Japão ressurgido das cinzas da Segunda Guerra Mundial, e todos se esforçaram nesse sentido, principalmente os atletas, que conseguiram 16 medalhas de ouro, classificando o país como o terceiro melhor do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, com 36 medalhas, e da União Soviética, com 30.

Para 2020, os atletas carregam a responsabilidade de levantar o ânimo dos japoneses, que não conseguiram se recuperar após o estouro da Bolha Econômica (Lehman Shock) de 2008, e do trágico tsunami e do consequente vazamento radioativo de 2011.

O treinamento começa cedo

Seis anos antes das Olimpíadas de Tóquio, em 2014, a imprensa japonesa já prestava atenção nas competições nacionais infantis e aos talentos que essas revelavam. Diziam que era importante saber quem se destacava aos 12 anos, porque ele teria 18 em 2020 e poderia ser um representante do Japão.

E a imprensa teve muito trabalho naquele ano, pois há competições nacionais de quase todas as modalidades no Japão, já que o esporte começa a ser praticado na escola primária e continua nos níveis superiores, onde quase sempre há um bom espaço e uma boa estrutura. Quando se consegue um bom resultado em uma modalidade, a escola recebe um investimento maior na área e com isso se torna uma referência para as crianças que se sobressaem no esporte. E muitos disputarão uma vaga naquela escola que pode torná-lo um vencedor.

O undoukai, gincana poliesportiva, ainda é o principal evento esportivo anual das crianças © Miki Yoshihito

A Nippon Junior High School Physical Culture Association (Associação Japonesa de Cultura Física do Ensino Fundamental / Ginasial) realiza um levantamento anual sobre as atividades esportivas praticadas pelos alunos e alunas separadamente. Em 2017, constatou-se que entre 10.478 escolas ginasiais, em 8.071 as meninas praticam voleibol, enquanto que em 7.659 jogam basquete, em 6.990 o soft tênis, em 6.313 o atletismo, e em 5.856 o tênis de mesa. Já entre os meninos, em 8.639 instituições praticam o beisebol, em 7.151 o basquete, em 6.990 o futebol, em 6.668 o tênis de mesa e em 6.426, o atletismo. Apesar da estatura média do japonês não ajudar, o basquete é muito praticado nas escolas, tanto pelos meninos como pelas meninas, pelo fato de ser uma modalidade que pode ser praticada em quadra coberta.

Cabe lembrar que, devido a variações climáticas dentro do país, alguns esportes de quadras cobertas são mais praticados em locais de temperatura baixa, privilegiando também as modalidades de inverno, como o esqui e o hóquei no gelo. Algumas delas, por exigirem instalações apropriadas, são menos praticadas , mas é possível encontrar escolas equipadas e que participam de campeonatos regionais, caso de naguinata, kyudô, rugby, luta-livre, patinação artística e arco e flecha. Em algumas escolas do ensino fundamental é possível praticar o sumô, esporte símbolo do Japão.

É tudo estatística!

Quase todos os alunos das escolas japonesas do primário e do ginásio participam do exame anual de força física organizado pelo governo. Trata-se de um levantamento de aptidão física, importante para nortear os treinamentos nos cursos de educação física e nos esportivos opcionais. Pelo levantamento, concluiu-se, por exemplo, que as crianças que fazem brincadeiras físicas, como pular cordas, conseguem melhor desempenho quando praticam esportes.

Estatísticas mostram outros dados interessantes. Os meninos do ensino primário que gastam 7 horas ou mais em atividade física por semana, por exemplo, conseguem arremessar uma bola de softbol mais longe. No caso deles, alcançam a média de 25,8 metros, enquanto aqueles que dedicam menos horas conseguiram a média de 19,04 metros. Mais da metade dos meninos do ginasial consegue correr 50 metros em 7,93 segundos, se praticarem mais de 7 horas de atividade física por semana. Aqueles que praticam menos tempo conseguiram alcançar a média de 8,53 segundos. Como esses dados são levantados no país inteiro, servem para cada escola ajustar o treinamento de seus alunos comparando com os seus resultados anteriores e com os dados de outras instituições. Além disso, serve para mostrar que se deve praticar alguma atividade física evitando o sedentarismo.

Autor: Francisco Noriyuki Sato, jornalista e editor. Escrito em Julho de 2017

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Os esportes mais populares do Japão