Musashi

 

Duas espadas e um caminho

Quando se fala em Miyamoto Musashi, a primeira imagem que nos surge é a do herói da trilogia cinematográfica produzida pela antiga Toei, do diretor Hiroshi Inagaki, na década de 50.

Personagem popular, Musashi tinha sido anteriormente a obra escrita por Eiji Yoshikawa, em forma de folhetim e divulgada nas páginas do jornal Asahi Shinbun entre 1935 e 1939, totalizando 1.013 capítulos. A edição em português de Musashi é brasileira e recente: dezembro de 1999. Bem antes da publicação em português, Musashi teve versões em outras línguas, como o inglês e o francês. Por parte dos leitores brasileiros, Musashi tornou-se conhecido graças ao cinema e depois, através da leitura do romance nas traduções estrangeiras. Talvez seja Musashi um dos últimos heróis modernos que ainda nos emociona, capaz de arrancar uma lágrima do canto do olho e de envolvermo-nos na sua vida arrojada e sagaz.

O Musashi narrado no romance de Yoshikawa foi inspirado em personagem real, que tinha por nome Shinmen Musashi No Kami Fujiwara No Genshin.

Um nome carregado nas letras, como a designação Fujiwara, antigo clã da aristocracia do período Heian (VIII – XII) e No Kami, que pode ser entendido como alguém de origem nobre. Ele teria nascido na vila de Miyamoto, província de Mimasaka em 1584. Musashi foi criado por um parente de sua mãe, um monge, desde os 7 anos. A suposição é a de que Musashi fora abandonado por seu pai ou que este tivesse morrido. No romance de Yoshikawa, Musashi, conhecido quando criança por Takezo, fora educado na adolescência pelo monge Takuan. Na narrativa literária, mais atraente, Takuan, um personagem real e significativo, é um monge de tradição zen, que por seu profundo conhecimento e humor sarcástico faz um excelente par com o herói Musashi, sendo o seu primeiro e principal mestre.

Para Takuan, não basta ter os braços fortes e o tronco avantajado, com seu quase 1 metro e oitenta de altura para ser o guerreiro ideal. É preciso muito mais que isso. As crônicas antigas dizem que Musashi, aos 13 anos, teria se defrontado com Arima Kihei, um experiente espadachin da escola de Shinto ryu, habilitado também na lança. Entretanto, a preparação de Arima nada valeu diante do ímpeto selvagem do menino.

Musashi era o próprio instinto do mais indomável dragão e de temperamento pouco sociável. Ao ser arrebatado não chão, Arima não teve tempo de se compor: Musashi desferiu-lhe um golpe certeiro na cabeça com uma espada de madeira. Kihei morreu vertendo sangue pela boca. Esta passagem é ignorada por Yoshikawa no romance.

Aos 16 anos Musashi e seu companheiro Matahachi participaram da batalha de Sekigahara, de 1600, ao lado das forças leais ao comando de Hideyoshi e adversários de Tokugawa. Foram derrotados. Para aqueles jovens, a vontade de lutar era maior que as preferências políticas de uma facção. A partir desta batalha, começa a derradeira trilha de aprendizagem da arte do guerreiro. Não se sabe se Matahachi, reproduzido no romance, existiu de verdade.

Musashi volta à sua aldeia, quando o monge Takuan resolve interferir no seu destino. Possivelmente, se isso não tivesse ocorrido, Musashi teria se tornado um samurai indisciplinado e grosseiro. Por longos anos, Musashi teria se submetido aos estudos dos textos antigos, muito deles chineses, ao ser encerrado na torre do Castelo Hakurojo. Para ser um samurai não bastava a habilidade no uso das armas, mas o preparo espiritual e a paciência do treinamento zen budista. Aquele Musashi de antes, de poucas letras e brutalizado pela vida de órfão, vai dando lugar a alguém simples e concentrado no caminho que iria trilhar. Takuan foi decisivo para a mudança de Musashi.

De todos os homens somente Takuan foi capaz de domar o espírito de Musashi, amarrando-o no alto de uma árvore até que toda a raiva se esgotasse, juntamente com as forças. Musashi que era muito mais forte que Takuan submetia-se resignado diante da presença daquele que respeitava e, mais tarde, passou a amá-lo como seu grande mestre.

Aos vinte e um anos de idade, Musashi começou a trilhar seu próprio caminho. Chegando em Kyoto, iria se defrontar com os instrutores da academia Yoshioka. Estes foram considerados os melhores esgrimistas, ministrando aulas de arte aos partidários do shogun Ashikaga. Seu pai, Munisai, também duelara com os alunos de Yoshioka, por três vezes, das quais saiu vencedor em duas. Musashi enfrentou com o líder daquela casa, Seijiro Yoshioka. Preferindo usar uma espada de madeira, Musashi não deu chances para Seijiro, que teve o braço direito esmagado com apenas um golpe. A derrota de Seijiro dá inicio a um processo de perseguição contra Musashi, pelos alunos da academia Yoshioka.

Não apenas os de Yoshioka nutrem um sentimento de vingança contra Musashi, como também Kijiro Sasaki. Tanto Musashi como Kojiro eram samurais jovens buscando o aperfeiçoamento espiritual através da arte guerreira. Enquanto Musashi se mostrava simples no uso das palavras e moderação em demonstrar a perícia nas armas, Kojiro é um fanfarrão. Suas roupas coloridas destacam-se em seu corpo exuberante, levando nas costas a famosa espada “varal” de 90 centímetros de lâmina.

Sem condições mais de tocar a academia, Seijiro Yoshioka retira-se, provavelmente, entrando num mosteiro. Senshichiro é seu irmão mais novo, que emite uma nota pública exigindo revanche de Musashi. Mais uma vez, Musashi saiu vencedor.

Antes que a academia Yoshioka tivesse que reconhecer sua desgraça, no desespero, desafia novamente Musashi através do último descendente da família, Hanshichiro, um menino de 9 anos. O plano dos alunos de Yoshioka era liquidar Musashi antes da chegada dele no lugar determinado: um pinheiro. Entretanto, Musashi chegou ao local bem antes do horário marcado e pacientemente esperou pelo posicionamento dos oponentes. Surgindo da névoa que pairava sobre o arrozal, Musashi derrubou alguns oponentes e aproximou-se do local onde estava Hanshichiro Yoshioka, o desafiante. Sua lâmina foi veloz para cortar o menino e, em seguida, desapareceu na mesma névoa.

Tinha apenas começado para Musashi a longa trilha do guerreiro. Seu encontro com o monge Oku Hozoin, da escola Nichiren, foi bastante significativo. Numa oportunidade, Musashi encontra com o monge Oku Hozoin, e sem ao menos lutar, admite sua derrota diante daquele sexagenário, experiente no manejo da lança das lâminas cruzadas. Assim foi se dando o aprendizado de Musashi, às vezes em confronto, outras através de batalhas interiores. Certa vez pediu ao idoso mestre Yagyu Muneyoshi, o que significava uma demonstração das armas. O sábio Muneyoshi, criador do estilo Yagyu da Espada Oculta, há muito tempo resolvera aposentar as espadas. Não aceitou o pedido de Musashi e enviou-lhe através do mensageiro um galho de uma flor que arrancou de um arranjo de ikebana. Antes, podou a parte inferior e mandou. Ao ver o golpe desferido na planta, Musashi reconheceu: “num confronto teria morrido”. Para Muneyoshi, provar quem era o melhor fazia parte do passado.

No Japão em que Musashi viveu, o desenvolvimento de uma burguesia era acompanhada com o surgimento das cidades, como Edo, atual Tokyo, e das grandes rodovias como Tokaido. As guerras pela unificação tinham acabado e a classe guerreira, a dos bushi, não empregava tanto funcionários de armas. Musashi como tantos outros não tinham um senhor para servir e nem salário para se manter. Alguns desses samurais desempregados tornaram-se bandoleiros, assassinos de aluguel ou simples ronin – samurais errantes.

Para se manter, Musashi ensinava esgrima, fazia esculturas budistas, pinturas e caligrafias em papel de arroz. Sabia que Kojiro Sasaki iria medir forças com ele. Se Kojiro mostrava-se tecnicamente superior a Musashi, este possuía outras habilidades, como planejamento para uma estratégia de combate.

Na derradeira batalha final, em 1612, Musashi saiu vencedor ao golpear com longo remo a cabeça de Kojiro. Ninguém conseguia escapar do golpe de Kojiro, chamado vôo da andorinha.

Entretanto, para escapar da lâmina certeira, Musashi saltou e de cima acertou o adversário. Tudo tinha sido planejado por Musashi: protegeu seu corpo com um cobertor, enquanto o outro esperou sem nenhuma proteção; chegou atrasado para irritar o outro; quando chegou na praia em que o duelo iria se dar, ficou de costas para o mar, pisando na areia endurecida pela água, ao contrário do outro que teve que correr na areia fofa, causando desgaste físico; o sol da manha ficava nas costas de Musashi e de frente a Kojiro, cegando seus olhos. Ao ver Musashi se aproximando-se com um remo nas mãos, Kojiro teria desembainhado sua espada e atirado na areia a bainha. Foi quando Musashi advertiu:

“Kojiro, você acaba de perder esta luta”. Quem abandona a bainha, segundo pensava Musashi, não a usará para guardar novamente a espada. E Kojiro não teve mais motivos para guarda-la!

Autor: Francisco Handa – Doutor em História Social pela UNESP e monge escola Soto Zenshu.

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