General Obara

 

Na longa e severa carreira militar, poucos chegam aos postos mais elevados. Chegar ao de general, por exemplo, é quase uma aspiração impossível. Como o currículo militar recebe anotações minuciosas, pequenos desentendimentos ocorridos no inicio da carreira, como uma desobediência ao rigoroso regulamento, podem prejudica-lo na hora de galgar os postos mais altos da hierarquia. Há também uma série de requisitos, muitos postulantes ao cargo, e a barreira final que é a idade, pois a aposentadoria é automática.

Como há poucos descendentes de japoneses no Exército, é surpreendente saber que um deles atingiu o posto de general, fato inédito no Exército Brasileiro. Estamos falando de Akira Obara, aos 60 anos, aposentado como general-de-brigada, após uma vida inteira dedicada ao País. O general Obara foi chefe da Comissão do Exército em Washington, nos EUA, comandante da 14º Brigada de Infantaria Motorizada em Florianópolis, chefe di Estado-Maior do Comando Militar do Sudoeste, e comandante da Aviação do Exército, em Taubaté.

Ilustre, mas muito discreto, o próprio general abriu as portas de seu apartamento em Moema para uma entrevista, e revelou-se um homem de aparência jovem, simples, sincero e tranqüilo, que fala em voz baixa e tem muita história para contar.

Como o senhor se interessou pela carreira militar?

São diversos fatores. Na década de 50, o meu pai, que veio ao Brasil em 1918 e teve 11 filhos, deixou a roça e passou a morar em Araçatuba. O meu irmão mais velho, filhos do primeiro casamento, continuou trabalhando na roça com seus filhos, enquanto eu estava na cidade estudando. Meu pai dizia que eu tinha que estudar, mas isso gerava reclamações do mais velho que achava injusto sustentar quem não ajudava em casa. De fato, fui o único dos irmãos a estudar. Outro fato foi que a minha mãe faleceu muito cedo, e morávamos com a madrasta, que nunca me viu como um filho, mas quase um criado.

Um amigo me falou da Escola Preparatória de Cadetes, que oferecia alimentação e alojamento, e isso me interessou, pois assim não precisaria depender do meu irmão e nem continuar morando com a madrasta.

O seu pai não se opôs a carreira militar?

Ele simplesmente disse: “Você escolheu uma bela carreira, mas nunca será rico”. Ele havia combatido na Guerra Russo-Japonesa, da qual participou por ter sido convocado, mas nunca se interessou em fazer carreira. Quando eu disse que seria militar, ele me acompanhou a São Paulo e arrumou hospedagem numa pensão de um amigo na rua Soa Joaquim, na Liberdade. Na época, eu tinha terminado o ginásio e não estava preparado para o concurso de ingresso na Escola de Cadetes, que era muito difícil, sem fazer um cursinho. Tentando arrumar um emprego para mim, o meu pai levou-me a um diretor do Banco América do Sul, que era da minha cidade, e este, sabiamente aconselhou: “você poderia trabalhar aqui como Office-boy, mas se quer mesmo ser militar, é melhor fazer o cursinho e estudar japonês”. Ele explicou que, sendo eu muito jovem, poderia me interessar por outras coisas enquanto trabalho no banco e desistir da idéia de ser militar.

Depois, o senhor passou no exame e iniciou sua carreira?

Sim, depois de um ano de cursinho, em 1957, ingressei na Escola Preparatória de Cadetes de São Paulo (um ano depois transferido para Campinas), que equivalia ao colegial.

Depois de formado inscrevi-me na Academia Militar de Agulhas Negras, de nível universitário, que fica em Resende, Rio de Janeiro. Mas antes mesmo de entrar naquela academia, a minha carreira estaria acabada se não fosse por insistência.

O que aconteceu?

Na véspera de embarcar para Resende, foi feito um exame médico, onde eu não passei por ter pés chatos. Um tenente disse que quem tem pés chatos não pode executar todos os exercícios físicos que são exigidos. Foi muito triste ver todos os companheiros partirem de ônibus e eu não poder ir.

Tinha me preparado para fazer a carreira e agora não podia mais voltar para casa. Um superior entendeu minha situação e aconselhou-me a recorrer à Junta Superior, abrigando-me em sua casa, no Rio, enquanto o processo era encaminhado. Numa entrevista na Junta, eu argumentei que sempre estive bem em Educação Física, executei todos os exercícios que eram exigidos e que o pé chato era uma característica do povo japonês. Ninguém sabia disso por falta de japoneses na academia, mas acataram meu pedido e pude finalmente ingressar na tão sonhada Academia, dois meses após o início do período letivo.

Consta que o senhor praticou equitação em Agulhas Negras.

Existem algumas opções na academia e eu escolhi a arma de cavalaria, talvez por gostar de cavalos, mas eu só conhecia o cavalo da roça, e nunca tinha montado num de raça. Sofri muito, pois os colegas sabiam montar e eu não. Enquanto eles descansavam nos dias de folga, eu ficava treinando sozinho. Existia um cavalo que ninguém queria, pois era rebelde e sempre acabava capotando na hora de pular a barreira. E foi exatamente esse cavalo que eu peguei para participar de uma prova. Caí 16 vezes, mas terminei a prova! Com tal perseverança, mais tarde fui chamado para compor a equipe de hipismo da academia, embora nem soubesse montar direito. Cheguei a ser vice-campeão do Exército na modalidade.

O senhor já estava fora de Agulhas Negras quando chegou o Regime Militar em 64?

Eu saí como aspirante-a-oficial em 1963, indo servir no 13º Regimento de Cavalaria em Pirassununga.

Como as notícias das movimentações políticas e sociais eram recebidas no Exército?

Pirassununga era um pequeno destacamento dentro do Exército e ficava muito longe das grandes cidades. Lá só tinha uma TV e quase não chegava jornais. Sabíamos que havia quebra-quebra e assaltos, principalmente no Rio, com fundo político, mas como éramos aspirantes, não ficávamos sabendo de nada além do que estava nos noticiários. 1964 foi o ano em que uma multidão saiu às ruas de São Paulo para protestar contra o presidente João Goulart. Havia descontentamento pelo baixo salário nos quartéis. E os movimentos populares tomaram muita força. Na época, o general-de-brigada Emílio Garrastazu Médici (mais tarde o presidente da república), que comandava Agulhas Negras, mandou sua tropa ocupar os morros do Rio. Um dia o capitão falou que iríamos para São Paulo para servir. Naquele ano, estivemos acampados no Parque do Ibirapuera por 3 ou 4 semanas, aguardando ordem para agir. O campo de Marte chegou a ser ocupado… o clima estava tenso, mas felizmente não houve combate. Ganhei muitas medalhas na carreira, mas nenhuma por bravura em combate, pois não houve combate.

Como o senhor conseguiu conciliar sua carreira com a vida familiar?

A família do militar sempre é muito prejudicada. Felizmente as minhas três filhas fizeram escolas públicas sempre inclusive o curso superior, pois do contrário, não teríamos como pagar as escolas. Outro problema é que somos freqüentemente deslocados para outras cidades, e as crianças precisam mudar de escola. E a esposa do militar sofre muito, tem que estar preparada para tudo. A minha esposa, inclusive, sempre lecionou para complementar a renda familiar. No meu tempo de aspirante eu ganhava menos do que ela. Mas, é claro, teria sido muito pior se tivéssemos alguma guerra.

O que o senhor fará daqui para frente?

Gostaria de dedicar-me mais à coletividade nipo-brasileira e à minha família, pois durante a carreira toda tive que dar prioridade ao Exército. Temos uma casa em Florianópolis, onde passamos muito tempo. Lá eu posso continuar andando a cavalo.

A carreira nas Forças armadas

No Exército Brasileiro, os postos e graduações são, pela ordem de importância: soldado, cabo, terceiro-sargento, segundo-sargento, primeiro-sargento, subtenente, aspirante-a-oficial, segundo-tenente, primeiro-tenente, capitão, major, tenente-coronel, coronel, general-de-brigada, general-de-divisão, general-de-exército e marechal (em tempo de guerra).

Na Marinha e na Aeronáutica, algumas graduações receberam nomes diferentes, mas o equivalente a marechal seria, respectivamente, almirante e marechal-do-ar.

Algumas das personalidades mais ilustres do Brasil vieram das Forças Armadas. Por exemplo, dentre os presidentes temos: os generais-de-exército Ernesto Geisel, João Baptista de Oliveira Figueiredo e Eurico Gaspar Dutra, e o marechal Humberto de Alencar Castello Branco.