Yukishigue Tamura

 

yukishiguetamuraInstalado confortavelmente no seu apartamento na Aclimação, Yukishigue Tamura, aos 87 anos, ainda aparenta ser aquele político destacado que foi, perseguindo seus ideais mesmo em situações difíceis. Tamura foi o primeiro vereador nipo-brasileiro de São Paulo, o primeiro deputado estadual e também o primeiro deputado federal nikkei no mundo.
Yukishigue Tamura é filho de imigrantes japoneses de Kochi, que chegaram ao Brasil no navio Ryojun Maru, em 1910, para trabalharem na lavoura. Tamura nasceu em São Paulo e morou muitos anos na rua Conde de Sarzedas, na Liberdade, chegando a jogar futebol na várzea do Glicério, e formou-se na Faculdade de Direito da USP em 1939.
Naquela época, os japoneses e seus descendentes eram raros nas cadeiras acadêmicas. O próprio tamura foi o terceiro a concluir aquela faculdade. Na turma seguinte viria o advogado Teiichi Haga, jogador de bocha do Nippon.

A religião

A religião sempre esteve presente na vida de Tamura. Batizado pelo jesuíta católico Guido del Toro, da Igreja São Gonçalo, lá foi coroinha, sendo educado por maristas no Ginásio Nossa Senhora do Carmo. Sua devoção rendeu-lhe alguns frutos, como lembra Teiichi Haga: “Numa ocasião, um professor do cursinho pré-vestibular ofereceu um prêmio para quem obtivesse a melhor nota em latim. Na época, latim fazia parte do currículo escolar, e como Tamura era coroinha, e as missas eram realizadas em latim, foi fácil para ele ganhar o prêmio”.

Casado com Ikuyo Tamura, qu sempre teve problemas de saúde e não conseguia ter filhos, o ex-deputado garante que caminhou todos os domingos da Praça da Sé até a Igreja de São Judas, durante um ano, para conseguir ter um filho, o Aloísio, que mais tarde seria médico.

Seguindo seus ideais políticos, o partido que escolheu para candidatar foi o Partido Democrata Cristão. Durante 16 anos, enquanto permaneceu na Câmara dos Deputados, foi o coroinha do retiro espiritual que aquela casa realizava de dois em dois anos. Em 1980, como vereador, foi a Roma entregar o título de Cidadão Paulistano ao Papa João Paulo II. Era uma forma de agradecê-lo pela indicação para beatificação do jesuíta Anchieta.

Hoje, completamente afastado da vida pública, participa como leigo nas igrejas de São Francisco de Assis e São Francisco Xavier, e neste último, atua todos os sábados como coroinha.

A vida pública

Tamura foi eleito vereador de São Paulo em 1947. Antes disso, estagiou no Ministério Público e depois trabalhou como advogado, dividindo o escritório com o professor Lino de Moraes Leme, catedrático da USP. Foi um período sofrido para os imigrantes japoneses, italianos e alemães, que tiveram bens congelados por causa da IIª Guerra Mundial. Tamura viu ali muitas coisas que não estavam como requeriam seus ideais de justiça social, e assim, resolveu lançar sua candidatura, inicialmente para a vereança.

Na sua primeira eleição, os tintureiros de São Paulo, muitos dos quais japoneses, foram seus maiores cabos eleitorais.
“Eles colocavam meus volantes de propaganda nos bolsos das roupas que entregavam”, recorda Tamura, que também teve apoio no meio beisebolístico, tendo sido um dos fundadores da Federação Paulista de Beisebol.

Nas eleições seguintes alçou vôos mais altos. Em 1951 foi eleito Deputado Estadual, e em 1955, aos 39 anos de idade, foi eleito Deputado Federal.

O ex-deputado revela que o primeiro conselho que recebeu como Deputado foi do fundador do Nippon Country Club, o saudoso empresário Katsuzo Yamamoto: “Fique seis meses sem fazer qualquer discurso. Fique apenas conversando com outros deputados e ajude na aprovação do orçamento deles”. Para quem gostava de fazer discursos, era um conselho dificil, mas ele seguiu à risca, entendendo que seria uma atitude sábia não criar atritos desde o início e ter os colegas como aliados para suas futuras propostas. E deu certo. Tamura foi eleito sucessivamente até 1967.

O próprio Yamamoto sempre ajudou-o nas eleições. Isso desde a época em que Yamamoto cultivava batatas em Álvares Machado. “Eu sempre fui o candidato dos bataticultores”, lembra o ex-deputado.

Em sua gestão, Tamura idealizou a implantação da Usiminas, mediante colaboração técnica e financeira do Japão. Outra idéia sua seria utilizar a dívida de guerra que o Japão tinha com os Estados Unidos, para aplicar em planos de desenvolvimento econômico e social do Brasil e demais países latinoamericanos. Isso melhoraria a imagem dos norte-americanos, e o Brasil poderia conseguir escolas e uma usina hidrelétrica, que seria construida em Sete Quedas, favorecendo também o Paraguai, Uruguai, Argentina e Bolívia. Segundo Tamura, essa medida ajudaria a obter a paz e integração econômica e social na América Latina. Infelizmente, essa idéia não saiu do papel, apesar do empenho do então deputado em levar o projeto para os presidentes Kennedy e Johnson.

Seu trabalho rendeu-lhe uma indicação do Senado Federal para ocupar a Embaixada do Brasil em Tóquio, fato que não chegou a acontecer.

No dia 13 de dezembro de 1968, o Congresso Nacional foi fechado, e Tamura e outros deputados e senadores perderam o cargo. Tamura seria reeleito somente no final da década de 70, novamente como vereador de São Paulo.
Nessa gestão, um de seus projetos foi a Lei Municipal que proíbe fumar em locais públicos e dentro dos taxis.

O Nippon

“O maior patrimônio que um japonês deixou no Brasil foi o Nippon Country Club”, referindose a Katsuzo Yamamoto.
A última presença de Yukishigue Tamura no Clube foi na comemoração do 40° aniversário, em 2000. Com uma aparência bem diferente daquele político que todos tinham em mente, poucos o reconheceram.

Mas bastou pegar o microfone, que começou a falar e não queria parar mais. “É ele”, exclamaram algumas pessoas que o conheceram como político.