Falecimento

 

No Japão os costumes relativos à morte podem ser confusos e chocantes para os não-iniciados, assim quanto mais souber de antemão sobre esses costumes, mais apto você estará para saber como agir sem cometer gafes na hora de prestar solidariedade e apoio a amigos e familiares.

“A Partida” x Costumes Modernos

Aoki Shinmon, escritor e poeta que trabalhou como nõkanshi (embalsamador, agente funerário japonês), autor de um bestseller no qual o filme vencedor do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro de 2009 “A Partida – Okuribito” foi baseado, escreveu um artigo contando que no passado os japoneses faleciam rodeados por seus familiares e eram colocados nos caixões por seus parentes de sangue. “O velório era celebrado como um último período de convivência com a pessoa que faleceu. Mas hoje tais costumes estão perdendo seu significado, devido a um modo de pensar que só dá valor à vida e que procura esconder ou negar a morte. Isso criou um abismo entre os mortos e os vivos, resultando numa supervalorização de pessoas que vivem vidas individualistas e egocêntricas, sem conexão entre os próprios vivos.”
Nos ritos funerários do Japão contemporâneo, especialmente nas cidades, os familiares estão ficando cada vez mais distantes e alienados de seus entes queridos durante a transição final. Os mortos são colocados em seus caixões sem que seus familiares vejam ou participem ativamente do processo. Os corpos são limpos, trocados e colocados nos caixões por funcionários de hospitais ou casas funerárias sem familiares presentes e diretamente transportados a um crematório. Todo o procedimento está cada vez mais automatizado, estéril e “profissionalizado”. Essa tendência não ocorre só no Japão. No mundo inteiro o processo de preparo do corpo para enterro ou cremação é feito cada vez mais de forma fria e distanciada da família – às vezes com um desrespeito chocante, quase como se a pessoa ao morrer se transformasse em lixo a ser jogado num aterro.
As obras de Aoki Shinmon e o sucesso de “A Partida” trouxe à tona a questão da indústria que se formou em torno da morte. Não será a crescente desconsideração com os mortos reflexo da falta de consideração do ser humano com seus semelhantes vivos?

Sincretismo Religioso

O funeral japonês é um vislumbre profundo na cultura e na identidade nipônica. A descrição mais comum que se escuta é a de que os funerais japoneses são uma mistura de tradições xintoístas e budistas.
O Xintoísmo, a religião nativa do Japão, é uma coleção de rituais que se desenvolveram com o próprio povo e a cultura do Japão. De tal modo o Xintoísmo é interligado com a história e com o folclore do Japão que mal dá para dissociar uma coisa da outra. O Budismo foi importado da Coréia e da China há mil e quinhentos anos, e durante muito tempo restringiu-se à aristocracia.
Ambas as tradições sofreram indireta pressão para se fundirem devido a uma lei de 1638, quando todas as famílias japonesas foram obrigadas a se registrarem em templos budistas. Ironicamente, o objetivo dessa lei não era combater a prática do Xintoísmo, mas impedir a proliferação do Cristianismo no país – como os templos budistas também funcionavam como escolas e eram organizados com registros diversos, o governo xogunal preferiu usar os templos budistas ao invés dos xintoístas para organizar os registros civis no país. Com isso muitas famílias passaram a manter em casa dois oratórios domésticos – um butsudan (budista) para ficar de acordo com a lei, e um kamidana (xintoísta) devido às crenças populares tradicionais. Com o tempo o sincretismo religioso transformou-se em regra, a ponto de atualmente muitos japoneses não saberem diferenciar um rito de outro.
Hoje em dia quase todas as famílias japonesas chamam um monge budista para os serviços fúnebres, de preferência da seita ou escola seguida pela família (nos casos onde não haja como chamar um monge da determinada seita, os familiares podem chamar um monge de outra seita, pois considera-se em última instância que o Budismo na essência é o mesmo). O recitar de sutras, oferenda de flores e acender velas e incenso são da tradição budista. Mas o modo pelo qual familiares e amigos do falecido procedem nesses rituais, contudo, refletem tradições xintoístas (o culto aos antepassados, cumprimentar a foto ou o corpo do morto olhando em seu rosto, oferendas em comida, são de origem xintoísta).
Por isso, os japoneses usam o seguinte ditado popular: “Japonês nasce e vive xintoísta, e morre budista”. <>autora: Cristiane A. Sato

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NOTA POSTERIOR: CREMAÇÃO NO BRASIL

No Brasil, país predominantemente católico, cremação não é um ato natural. Já pelo budismo, a cremação faz parte e é muito comum ser cremado e as cinzas serem depositadas em espaços reservados (cinerários) dentro de templos budistas. Lá, o monge realiza as cerimônias memorias com frequência, além daquelas solicitadas pela família.

Pelas leis brasileiras, pode-se optar por enterrar ou cremar o falecido, mas a autorização para cremação deve ser assinado pela esposa ou pelo esposo, ou pelos filhos diretos. Irmãos não podem autorizar isso, mesmo que a pessoa não tenha esposa(o) e filhos. Essa autorização é assinada no Crematório da Vila Alpina, em São Paulo. Pode-se fazer, em vida, um testamento sem valor patrimonial, autorizando uma outra pessoa a assinar a autorização de cremação. No caso, esse testamento deve ser lavrado em cartório, sendo necessárias as presenças do interessado e do testamenteiro nomeado, levando duas testemunhas.

No caso da pessoa falecer em hospital público, poderá haver uma outra complicação. É que se a causa da morte não for muito clara, o médico, por não querer assumir responsabilidade (no caso de questionamentos posteriores por parte da família – casos que vão parar na Justiça), o médico vai escrever no Guia de Encaminhamento de Cadáver a destinação para o IML. Com esse documento, o familiar terá que ir à delegacia indicada para fazer o Boletim de Ocorrência do falecimento. Aqui está o problema, o escrivão raciocina imediatamente que os casos que vão parar no IML não podem ser cremados. Isso ocorre porque, se a família, ou qualquer pessoa suspeitar de que houve negligência médica, ou que houve algum fator externo àquela morte, pode pedir a exumação do cadáver para fins de investigação. E se for cremado, não há como fazer isso, a prova seria destruída.

Porém, é uma interpretação equivocada da lei, pois se a própria pessoa, por motivos religiosos ou outros, pediu para ser cremada, como uma autoridade policial pode negar-lhe esse direito? Pode sim, porque a lei está acima da religião. Se houvesse bom senso sim, mas não espere bom senso por parte de quem lida com bandidos violentos o tempo todo.

Para reverter tal situação, a própria delegacia recomenda que você peça autorização para o juiz. Mesmo no serviço funerário municipal, onde você encomenda o caixão e o transporte, vai ser informado do mesmo problema. Aliás, no IML também avisam que, aquele corpo não pode ser cremado a não ser com autorização judicial. Se for solicitar tal autorização, peça para o serviço funenário ou para a delegacia o endereço do Poder Judiciário onde deverá pedir o documento. Isso varia de acordo com o local onde ocorreu o falecimento. Lembre-se, isso pode demorar muito e acabar estressando os familiares diretamente envolvidos.

Entretanto, há possibilidade de resolver a questão na própria delegacia de polícia. O delegado tem autoridade para assinar uma Autorização para Liberação de Cadáver, com base na Portaria DGP número 10, de 04 de maio de 1993. Ele precisa ouvir os motivos da solicitação, e liberar a tal autorização. Aqui, não precisa constar necessariamente que a pessoa deve ser cremada. De posse desse documento, o familiar pode retirar o corpo do falecido e levar para o velório, e dali para o crematório. Se for dentro da cidade de São Paulo, o velório pode ser realizado em um cemitério de qualquer bairro e a cremação ser realizada na Vila Alpina (não há velório no crematório). O custo do serviço será o mesmo independente da distância (há uma tabela fixa que inclui o caixão e outros).

Veja também Velórios, Cremação e Enterro