ago 172021
 

A cantora Misora Hibari já se apresentou no Brasil. Foi em agosto de 1970, portanto, há 51 anos.

Como uma estrela no auge de sua carreira, mereceu apresentação no Ginásio do Ibirapuera, em São Paulo, que era o maior espaço para shows da cidade. Os auditórios do Anhembi só ficariam prontos a partir de 1972.

O desafio de trazer a grande artista coube aos irmãos Koei e Mário Okuhara, então proprietários da Rádio Apolo e da Gravadora Astrophone. Consagrada no Japão, Misora Hibari, cujo nome verdadeiro era Kazue Kato, era chamada de “Embaixatriz das Cantoras”, por ter iniciado a carreira no período da Segunda Guerra Mundial, com apenas oito anos de idade. Os tempos eram difíceis e seu primeiro disco “Kappa Boogie Woogie” foi gravado em 1949, assim como seu primeiro filme “Nodojiman Kyodai”, e ambos fizeram sucesso. Tendo um país completamente arrasado pela guerra, os japoneses viram, na menina de 12 anos, a inspiração de que precisavam, para seguirem na árdua luta pela sobrevivência nos anos seguintes. A garota-prodígio fez jus à esperança que depositavam nela. Trabalhou muito, protagonizou diversos filmes, gravou discos e deu shows viajando bastante, e até se apresentou no Havaí, Estados Unidos, em 1950. A imagem da pequena Hibari fazendo shows e filmes ilustravam os jornais e as principais revistas.

No Brasil, essa imagem também era muito forte. Discos da Hibari eram lançados pela gravadora Denon e seus filmes lotavam as salas da Liberdade. A vinda da Misora Hibari pode ter sido o acontecimento mais relevante até hoje em termos musicais para a coletividade nipo-brasileira. Cantores relativamente famosos estiveram no Brasil, na década de 1960, a convite do Cine Niterói, mas Misora Hibari realmente era a única a ser considerada o símbolo da canção popular japonesa.

Na mensagem dirigida aos fãs brasileiros, antes de sua saída do Japão, Misora Hibari afirmou sentir muita alegria ao saber que existem fãs no Brasil, e que o Brasil é o local mais distante do Japão, lembrando uma música que diz: “A manhã chega na parte superior do planeta Terra. No outro lado deve ser noite”. Ela afirma que, ainda criança, soube que no outro lado estava o Brasil. “Mesmo estando em países diferentes, as músicas que ligam os corações são iguais. Serão apenas três dias no Brasil, mas pretendo me apresentar da melhor forma possível”, afirmou.

Na mensagem do caderno de programação do show da cantora, o deputado estadual Shiro Kyono escreveu: “Dada a repercussão de sua fama, o governador Roberto de Abreu Sodré, por intermédio da Secretaria de Turismo, emprestou sua colaboração oficial e, no mesmo intuito, o prefeito Paulo Maluf, por intermédio da sua Secretaria de Turismo, receberá a cantora como “Hóspede Oficial da Municipalidade”.

Foi um acontecimento notável e que merece ser lembrado. 

Texto: Francisco Noriyuki Sato

ago 052021
 

A província de Okinawa foi ocupada pelas Forças Armadas dos Estados Unidos entre 1945 e 1972.

A devolução da província ao Japão aconteceu oficialmente no dia 15 de maio de 1972, após 27 anos de ocupação americana. Enquanto todo o restante do Japão voltou à administração de japoneses em 1952, o arquipélago do antigo reino de Ryukyu teve que esperar mais 20 anos, primeiro por causa da Guerra da Coreia que começou em 1950 e a posição geográfica de Okinawa tornou o local estratégico para as bases americanas. Essa guerra terminou em 1953, mas os americanos haviam investido bastante no local porque ainda previam novos conflitos na região por causa da Guerra Fria. Depois, em 1965, começou a Guerra do Vietnã, tornando o local estratégico novamente. Estima-se que, em 1969, mais de 50 mil soldados americanos moravam em Okinawa.

Com a devolução ocorrendo no dia 15 de maio de 1972, a comunidade nikkei se reuniu e realizou um evento cultural de “Comemoração pela Restituição de Okinawa ao Japão”, nos dias 20 e 21 de maio (sábado e domingo) do mesmo ano, no auditório da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa, na Liberdade, em São Paulo.

A iniciativa coube ao Zaihaku Okinawa Kenjinkai (Associação dos Provincianos de Okinawa no Brasil), então presidida por Mosei Yabiku. A principal atração do evento foi uma peça de teatro, que mostrou o período de transição de quatro anos (1875 a 1879) no qual aconteceu a desocupação do Castelo de Shuri, então capital do Reino de Ryukyu. A peça, escrita por Eikichi Yamazato, artista plástico e escritor, autor de vários livros sobre a história de Okinawa, foi apresentada em japonês por um elenco de artistas radicados no Brasil.

O papel principal, do último rei Shõ Tai, coube a Naohide Urasaki, natural de Naha, capital de Okinawa, que estudou o teatro tradicional do local desde criança. Urasaki emigrou para Bolívia em 1957, onde trabalhou nas plantações de arroz e introduziu o teatro okinawano. Mudou-se para São Paulo, e novamente não ficou longe dos palcos. Junto com outros conterrâneos fundou a Kyowa Gekidan, em 1962, grupo teatral que passou a encenar o teatro de Okinawa. Em 1987, Urasaki voltou a Okinawa para se especializar no taikô, foi diplomado e começou o ensino do taikô no Brasil, onde se formou o grupo Ryukyu Koku Matsuri Daiko do Brasil, oficializado pelo Japão em 1998. Naohide Urasaki faleceu aos 80 anos de idade, em 2011.

A peça da história de Okinawa foi encenada duas vezes no domingo, mas o evento em si contou com várias apresentações de dança de Okinawa e do restante do Japão nos dois dias.

Em maio de 2022, a restituição da província de Okinawa estará completando 50 anos, uma data de grande significado para o Japão.

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Texto: Francisco Noriyuki Sato – Jornalista e editor, autor dos livros História do Japão em Mangá e Banzai – História da Imigração Japonesa no Brasil, e professor de História do Japão da Abrademi.

Para saber mais sobre o professor Naohide Urasaki: http://matsuridaiko-brasil.com/naohide-urasaki-sensei/

Para aprender a História do Japão, incluindo a História de Okinawa, a Abrademi tem cursos on-line: www.abrademi.com

fev 272021
 

Jiro Kawarazaki foi a estrela do filme “Gaijin – Caminhos da Liberdade”, da estreante diretora Tizuka Yamasaki, de 1980. O filme conta a história da imigração japonesa à partir da chegada de uma família numa fazenda de café no interior de São Paulo. Jiro e Kyoko Tsukamoto representam Yamada e Titoe, que formam o casal principal do enredo.

Jiro faleceu em julho de 2020, vítima de uma parada cardíaca. Tinha 79 anos de idade. A família não divulgou o fato, e a mídia só tomou conhecimento um mês depois, mas deu poucas linhas à respeito desse ator.

No currículo de Jiro constam 19 filmes longa-metragens feitos no Japão, entre 1961 e 1992. Num filme de 1974, “Wagamichi”, de Kaneto Shindo, Jiro tem um papel secundário, mas é um filme interessante porque trata de problemas das famílias de decasséguis da região do Tohoku, sobre uma história real de 1966. Jiro teve uma carreira mais longa e respeitável na TV, atuando em vários episódios da série de samurai “Mitokoumon” da TBS e em muitos outros, de vários estilos. Jiro também atuou nos palcos onde trabalhou em várias peças. O pai de Jiro era um famoso ator de Kabuki em Tóquio, já na quarta geração de atores dessa modalidade, e seus dois irmãos, duas irmãs e uma prima também seguiram a carreira de artística.

Comentário pessoal:

Lembro do Jiro Kawarazaki quando tinha acabado de chegar do Japão e estava num hotel de Atibaia, cidade onde seriam realizadas as primeiras tomadas com os atores japoneses. Jiro, Kyoko e Yuriko Oguri foram contratados pela Tizuka, e dentre eles, Jiro era o mais famoso naquela época. Mas era bastante humilde.

Na época, eu trabalhava e estudava à noite, e não tinha tempo, mas queria praticar o idioma japonês. Daí eu me oferecia ao Sanenari Oshiro, que era redator do jornal São Paulo Shimbun, para ir entrevistar artistas japoneses nos finais de semana. Nem sempre os artistas eram profissionais. Na maioria das vezes eram grupos de estudantes que vinham por intercâmbio e traziam alguma coisa para apresentar. Claro, o trabalho era voluntário e mesmo as despesas de transporte não eram reembolsadas. Não havia nenhuma espécie de apoio. Eu recebia um número de telefone e um nome, e depois eu ia atrás. Nesse caso, eu procurei o contato da Tizuka, a diretora do filme, liguei, marquei e fui no escritório dela. Os atores ainda não tinham chegado, mas fiquei sabendo que chegariam e fariam a primeira tomada naquele final de semana. Peguei o ônibus e fui para Atibaia. No hotel, a Tizuka disse que o intérprete não estava, e que iria chamar os japoneses.

Assim fiquei conhecendo o trio de atores, todos muito simpáticos, apesar de cansados da viagem. Naquele dia, como não ia ter filmagem, eu os levei até a praça de Atibaia onde estava tendo uma feira de artesanato. E lá comprei um pacotinho de coquinho doce. O Jiro gostou tanto daquilo, que voltou sozinho e comprou um monte deles.

Voltei a Atibaia novamente, num outro final de semana. Os atores já tinham feito várias cenas e estavam todos bastante integrados com o ambiente. Antonio Fagundes, Gianfrancesco Guarnieri, Ken Kaneko e José Dumont faziam parte do elenco e, por sorte, todos estavam lá. Conversei bastante com o José Dumont e com o Jiro Kawarazaki. Foi a última vez que o vi.

“Gaijin” foi o melhor filme do Festival de Cinema de Gramado de 1980. José Dumont recebeu o prêmio de melhor ator coadjuvante. Quem não assistiu deveria assistir.

Francisco Noriyuki Sato

nov 152019
 

“A Modernização do Japão e as Relações Nipo-Brasileiras” foi o tema da palestra do prof. Dr. Shinichi Kitaoka, presidente da JICA – Agência de Cooperação Internacional do Japão. Realizado no amplo salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, contou com a abertura do prof. Vahan Agopyan, reitor da Universidade de São Paulo e do prof. Floriano Peixoto de Azevedo, diretor daquela Faculdade, entre outros convidados.

Kitaoka falou sobre as relações nipo-brasileiras, mas foi sobretudo uma verdadeira aula de história. Começou falando das atividades da JICA com o Brasil, desde o desenvolvimento da agricultura no cerrado até o assoreamento do Rio Tietê, implantação de agrofloresta em Tomé-Açu, passando por bolsas de estudo e pela implantação do “koban”, o policiamento preventivo no Brasil. Kitaoka atuou na ONU, quando o Brasil propôs a sua entrada como membro permanente no Conselho de Segurança. Atualmente, só Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido são permanentes, os demais 10 países são eleitos a cada dois anos e se revezam. Japão e Brasil são os dois países que mais vezes integraram o conselho como membro não permanente. O Japão foi favorável à ideia, mas essa modificação no órgão não foi aprovada. Entretanto, por esse motivo, Kitaoka teve muito contato com o Brasil e sentiu que o País era um grande parceiro do Japão.

O Japão mudou da Era Heisei para Era Reiwa, em maio de 2019. No Japão, além da numeração do ano da forma ocidental, há o número do ano que acompanha o Imperador. Assim, Heisei foi o nome da gestão do Imperador Akihito. Em janeiro de 1989 começou a Era Heisei, e portanto, 2019 corresponde ao ano 31 da Era Heisei, que também é o primeiro ano da Era Reiwa. Essa forma de cálculo dos anos era comum, no mundo inteiro, no passado. Em 21 de outubro deste ano, foi feita a cerimônia de entronamento oficial do Imperador Naruhito, com a participação de líderes de 191 países. O presidente do Brasil, Jair Bolsonaro também esteve presente. Essa cerimônia utiliza aposentos tradicionais e é realizada desde o século 8, embora o trono em si é mais recente, foi utilizado na posse do Imperador Taisho, em 1911. Mas a existência da família real é comprovada desde o século 6, portanto, é muito antiga. Passagens do Man’yoshu, antologia de poemas do século 8, descrevem detalhes da corte do Imperador. 

A ligação da família imperial com o Brasil já é antiga. A primeira visita do então Príncipe Herdeiro, mais tarde Imperador, Akihito e sua esposa Michiko, ocorreu em 1967. O casal voltou ao Brasil em 1978. Em junho de 1997, o casal retornou, desta vez na condição de Imperador e Imperatriz. Seu filho mais velho, o Príncipe Naruhito, agora Imperador, esteve no Brasil em 1982, esteve no Centenário da Imigração em 2008, e esteve participando do Fórum Mundial da Água, em março de 2018. Outros membros da família também estiveram no Brasil em diferentes épocas, mas o primeiro contato aconteceu em 1934, com a doação em dinheiro do próprio Imperador Showa para a construção do Hospital Japonês, em São Paulo, atual Hospital Santa Cruz, na Vila Mariana.

Explicando o nome da cátedra 

A cátedra Fujita-Ninomiya faz parte das atividades da JICA. Trata-se de um projeto que visa convidar ao Japão os recursos humanos que possam se tornar pilares do futuro e do progresso dos países em desenvolvimento. Dentro do projeto, a JICA estabeleceu um curso no Departamento de Direito Internacional e Comparado da Faculdade de Direito da USP, para o estudo e pesquisa do desenvolvimento e sobre a experiência do Japão na Era moderna.

“Explicando o nome do projeto, são dois nomes ilustres no intercâmbio entre o Brasil e o Japão, e curiosamente, eu os conheci no Japão quando éramos todos jovens. Edmundo Susumu Fujita (1950 ~ 2016) se formou na Faculdade de Direito da USP e seguiu carreira diplomática. Antes dele, os descendentes de japoneses foram ser médicos, engenheiros, mas nessa difícil carreira diplomática, Fujita foi o pioneiro, e ele progrediu pelo seu esforço pessoal. Ele foi Embaixador do Brasil na Indonésia e na Coreia do Sul. Infelizmente, ele faleceu há alguns anos.”

O outro nome é do professor da Faculdade de Direito da USP, Masato Ninomiya. Ele foi o primeiro nikkei a defender uma tese de Doutorado na Universidade de Tokyo, numa época em que isso era a coisa mais difícil do mundo.  Isso, porque, para conseguir o título era preciso estudar profundamente as leis da Alemanha, França, Reino Unido e Estados Unidos, nas quais a lei japonesa se baseia. Depois, estudar a lei japonesa, decifrando os caracteres japoneses. Antes dele, alguns da Coreia do Sul e Taiwan defenderam tese de doutorado, mas Ninomiya foi o primeiro de um país que não utiliza caracteres chineses a atravessar essa barreira. “O professor Ninomiya não queria que colocassem seu nome na cátedra, alegando que não ficava bem para uma pessoa que está viva, mas eu insisti que o nome deveria homenagear as duas pessoas de maior destaque nessa área”, afirmou Kitaoka.

O Japão na Era Meiji

Sendo um especialista em história política e diplomacia, o palestrante não poderia deixar de falar de algumas passagens importantes na história do Japão, e escolheu “Restauração Meiji”, de 1868, como tema para a sua “aula”.

2018 marcou o 150º aniversário da Restauração Meiji. Na verdade, o nome “restauração” pode ser inadequado, pois se tratou de uma verdadeira e grande revolução. O termo restauração se refere à volta do poder nas mãos do Imperador, o que é correto, mas as transformações foram muito maiores.

Vamos lembrar que o Japão chegou a 1868 depois de 260 anos do governo do xógum Tokugawa, e antes dessa família, houve um longo período de governo dos samurais, totalizando aproximadamente 700 anos onde quem comandava o país eram clãs de samurais. O fim do feudalismo ocorreu em apenas 15 anos, depois da chegada do navio negro do Comodoro americano Perry. Os portos foram abertos para o mundo e o Japão teve que correr para recuperar seu atraso, tanto na tecnologia como na política e na defesa. É possível acreditar que as armas que os japoneses usavam eram as mesmas de 260 anos atrás?

Agora, a maior mudança ocorreu na área política. Depois de tanto tempo, acabou a época em que os samurais estavam no topo da pirâmide, e quem ajudou a acabar com isso foram os próprios samurais. Sim, havia uma pressão muito forte porque se não fizessem isso, poderiam se tornar uma colônia de algum país ocidental, como ocorreu na África, na Ásia e na América. Houve então uma união para o bem do País, para se conseguir uma rápida modernização e poder competir com as potências estrangeiras. Em 1871, todos os feudos foram extintos, incluindo os de Choshu e Satsuma, que ajudaram a derrubar o xogunato, porque era necessário.

Hirobumi Ito, em 1885, se tornou o primeiro primeiro-ministro do Japão. Apenas 20 anos antes, um samurai de baixo escalão, que nem lhe era permitido andar de cavalo, jamais poderia pensar em falar sobre política. A Restauração Meiji foi, portanto, uma grande revolução. Foi Hirobumi o responsável pela Constituição japonesa, a primeira fora do Ocidente (estudiosos vão se lembrar da Turquia, mas essa acabou logo). Essa Constituição previu a realização de eleições com a participação popular.

Houve casos de revolta nesse período de transição, porém o número de mortos foi pequeno, se compararmos com a Revolução Francesa, e com certeza, é muito menos do que as baixas da Revolução Russa ou da Revolução Chinesa.

Voltando ao Período Edo

A família Tokugawa conseguiu se manter no poder e manter um período de paz graças a sua habilidade política e pelos mecanismos que criou. O primeiro Tokugawa se estabeleceu em Tóquio, enquanto o Imperador permaneceu em Quioto. Havia muitos clãs poderosos e para enfraquecê-los, ele criou o “sankin koutai”, que era a obrigação do daimyô, senhor feudal, de manter uma residência na capital Edo, onde deveria permanecer por um ano, e retornar para sua terra onde deveria ficar também um ano, isso continuamente. Enquanto estava em sua terra, ele deveria deixar a esposa e filho ou filha em Edo. Assim, Tokugawa tinha esses familiares como reféns, caso o daimyô se rebelasse. Para fazer o “sankin koutai”, o daimyô tinha despesas bem altas, e o objetivo de Tokugawa era fazer os daimyôs gastarem bastante dinheiro nessas viagens, para não terem dinheiro para armamentos. O “sankin koutai” tinha regras rigorosas, e determinava o número de pessoas que cada daimyô deveria trazer segundo sua renda. Assim, deveria ter um x número de cuidadores de cavalos, x cozinheiros, x cavaleiros, etc. Somando tudo, um daimyô comum viajava com 150 a 300 homens em sua comitiva, mas há casos de daimyôs mais ricos que tinham que viajar com 4 mil pessoas. Quando a viagem era longa e difícil, esse daimyô gastava muito com hospedagens e alimentação do seu grupo. Curiosamente, o “sankin koutai” acabou desenvolvendo estradas e aperfeiçoando os meios de transporte, assim como criou o turismo fortalecendo hospedarias, restaurantes e prestadores de serviços nos locais de passagem dessas comitivas.

Pode-se dizer que o prédio da Faculdade de Direito da USP combinou com o conteúdo da palestra do presidente da JICA. A faculdade, a primeira do Brasil, cujas aulas começaram em 1828, começou ali mesmo, mas o edifício da foto foi erguida na década de 1930. Onze presidentes da República estudaram nessa escola.

Durante o Período Edo, cada samurai só podia ter um castelo e deveria morar nele. Antes, os samurais moravam junto com os agricultores e saíam para a guerra quando era preciso.

Nesse período, o Japão esteve fechado às nações ocidentais, excetuando a Holanda, mas os comerciantes holandeses ficavam confinados em Dejima, uma ilha artificial em Nagasaki. Foi uma medida para se defender dos cristãos, que teriam incitado uma revolução nas Filipinas. Não havia um comércio tão intenso com a Holanda, mas os estudiosos se interessavam pelos livros que os holandeses traziam. Assim, muitos estudavam o idioma holandês, e o estudo ocidental era chamado de “rangaku”, e havia escolas onde se ensinava “rangaku”. Uma dessas escolas foi “Tekijuku” fundado por Koan Ogata, um médico, que ensinou química, física, história natural e outras matérias para seus alunos. Ogata foi o primeiro a publicar um livro sobre patologia no Japão. “Tekijuku” formou os principais líderes da Era Meiji, como Masujiro Omura, responsável pelo desenvolvimento de técnicas de navegação e do sistema militar; Sonai Hashimoto e Yukichi Fukuzawa. O último foi jornalista, escritor e tradutor . Ele era fluente em holandês, mas quando foi a Kanagawa conhecer os estrangeiros que chegaram com a abertura do porto, ele se decepcionou porque os estrangeiros só falavam inglês. Ele passou a estudar inglês e participou a primeira missão diplomática do Japão para os Estados Unidos. Foi o fundador da famosa Universidade de Keio.

O Período Edo representou 260 anos praticamente sem guerras, aumento da população, aumento da produção agrícola, desenvolvimento do comércio, aumento da alfabetização e o surgimento de uma cultura peculiar, sem a influência do exterior.

Em termos de alfabetização, que serviu como alicerce para o sucesso da Restauração Meiji, era praticamente uma responsabilidade dos templos budistas. Chamadas de “terakoya”, objetivou dar uma educação básica para as crianças, com ensino da matemática, escrita, e incluindo geografia e história nos textos utilizados. Isso fez com que 40% da população total do Japão estivesse alfabetizada quando da Restauração. Número surpreendente para essa época no mundo inteiro, já que estudar era privilégio das classes mais ricas.

Uma das artes que se desenvolveu foi o Ukiyo-ê, que retratou os costumes e as paisagens daquele período. Kabuki, uma arte cênica popular, mas de tão interessante, que os samurais também iam assisti-la. Havia tranquilidade no Período Edo, que pode ser verificado nos livros escritos na época. Os japoneses viajavam muito até Ise Jingu, o maior santuário xintoísta do Japão. Consta que uma moça conseguia viajar sozinha e em segurança de Edo até Ise Jingu entre os séculos 17 e 18. A distância é de 400 km, e isso é surpreendente se compararmos com qualquer lugar do mundo.

O período representou também o intercâmbio entre os daimyôs, pois todos estavam morando em Edo.

Além das técnicas de guerra, a navegação praticamente não desenvolveu durante todo o período Edo. Antes do fechamento dos portos, era comum a navegação até Filipinas e Tailândia, por exemplo, para o comércio, mas durante Edo não houve necessidade de desenvolver a navegação mais longa. Assim, quando o Comodoro Perry chega ao Japão, surpreendeu, porque o navio do americano era pelo menos dez vezes maior do que o maior dos navios que o Japão possuía.

Turbulências no começo da Era Meiji

O Japão teve que abrir as portas e sua modernização teve que ocorrer muito rapidamente, mas nada foi tão simples. Surgiu um debate conhecido como “Seikanron”, por volta de 1873, que se discutiu o envio de tropas à Coreia, como punição por não reconhecer a legitimidade do Imperador Meiji e pelos insultos sofridos pelos diplomatas japoneses quando estes tentaram estabelecer um diálogo. Saigo Takamori, um dos estrategistas do governo Meiji, era favorável à ideia, porque, entre outros motivos, num confronto internacional poderia levar muitos samurais que estavam desempregados desde a extinção do sistema feudal. A ideia foi finalmente descartada e Takamori e outros lideres dessa proposta deixaram o governo Meiji, voltando para suas terras. Insatisfeito, Takamori lidera, em 1877, a Rebelião de Satsuma, na qual acaba derrotado. Depois desse episódio, os antigos samurais percebem que não havia possibilidade de vencerem o governo e então passam a lutar para vencer, não com as armas, mas pelas ideias. A modernização das ideias, portanto, ganha velocidade a partir desse ponto, com a formação de partidos políticos e a realização de uma eleição geral para a câmara baixa, efetivada em 1890.

Outro personagem que merece ser lembrado é Takeaki Enomoto. Natural de Edo, sua família servia ao clã Tokugawa. Quando o navio americano força a abertura dos portos, Enomoto, que já estudava holandês, vai estudar no Centro de Treinamento Naval em Nagasaki e em Tsukiji. Depois, Enomoto vai estudar na Holanda e continua na Europa entre 1862 e 1867, retornando fluente em holandês e em inglês. Quando o governo de Tokugawa cai em Edo, Enomoto e seus seguidores recusam a entregar a frota naval em poder do grupo (a maior frota do Japão), e seguem para Hakodate, em Hokkaido, onde organizam resistência em favor de Tokugawa no fortificado de Goryokaku, construído em 1864. No local, a tropa leal a Tokugawa fundam a República de Ezo, um país independente, elegendo Enomoto como presidente. O governo Meiji não quer que o País fique dividido e inicia a Batalha de Hakodate, onde a tropa de Enomoto é derrotada, em junho de 1869. Ele foi preso e, apesar de ser considerado um traidor do País, o governo Meiji reconhece que seus atos sempre foram de um patriota, aquele que pensa no melhor para o seu País. Assim, ele é libertado em 1872, e com todo o seu conhecimento, ele participa da Força Naval do Império. É enviado para a Rússia onde tem sucesso na assinatura de um tratado. Depois se torna Ministro da Marinha e ocupa outros ministérios, como da Agricultura e Comércio, da Educação e das Relações Exteriores. Nesse cargo, Enomoto foi muito ativo em incentivar a emigração dos japoneses, criando a seção de emigração dentro daquele ministério e incentivando empresas privadas a trabalharem com a emigração. Pode-se dizer então, que Takeaki Enomoto é o responsável pelo início da emigração japonesa para a América do Norte, Central e do Sul, incluindo o Brasil.

O que impressiona os estudiosos da história é a velocidade com que as coisas ocorreram no Japão. Saindo de um longo período feudal para uma democracia nos moldes ocidentais, e também a adoção do sistema de ensino semelhante aos das nações ocidentais.  Em 1872 foi estabelecido o ensino primário como no Ocidente. Depois vieram o ensino ginasial e o colegial, e também as universidades, que contrataram muitos professores do exterior, e com isso, o País se desenvolveu a ponto de poder-se equiparar às maiores potências mundiais em poucas décadas.

A palestra foi proferida pelo professor Shinichi Kitaoka (Ph.D.), presidente da JICA, Agência de Cooperação Internacional do Japão, em 4 de novembro de 2019, no Salão Nobre da Faculdade de Direito da USP, dentro do Programa de Estudo do Desenvolvimento Japonês (Cátedra Fujita-Ninomiya).

Escreveu: Francisco Noriyuki Sato, jornalista e editor, do site culturajaponesa.com.br, autor de livros e professor de História do Japão. Foi assessor de comunicação da Cooperativa Agrícola de Cotia e assessor da relações públicas da Jetro. Atual presidente da Abrademi e diretor cultural da Associação Cultural e Assistencial Mie Kenjin do Brasil.

out 252019
 

O evento existe há 60 anos, mas pouca gente sabe o que é, e mesmo aqueles que já participaram não costumam relatar o que viram. Por isso, resolvi escrever, como jornalista e como um dos palestrantes do evento.

O que é Convenção dos Nikkeis e Japoneses?

O primeiro evento, realizado em 1957, foi uma forma de agradecimento pela ajuda que os nikkeis do mundo inteiro enviou para o Japão destruído pela Segunda Guerra Mundial. Entre 1946 a 1952, as doações chegaram ao Japão por intermédio da LARA (Licensed Agencies for Relief in Asia), uma organização cristã, que conseguiu autorização para transportar os mantimentos, uma vez que não se podia enviar nada ao Japão nessa época. A ajuda somou 40 bilhões de ienes (no valor da época), em 1952, e 20% do montante foi enviado pelas comunidades nikkeis do mundo. Em 1956, com a adesão do Japão às Nações Unidas, tudo estava voltando à normalidade, e os estadistas da época resolveram mostrar um gesto de gratidão pela ajuda recebida, com a organização da Confraternização dos Nikkeis do Exterior. Em 1960, o evento ganhou o nome atual e passou a ser realizado todos os anos a partir de 1962.

Quem organiza a Convenção dos Nikkeis?

Em 1956, não havia no Japão entidades ligadas aos japoneses e descendentes do exterior, excetuando o Escritório de Comunicação dos Nikkeis do Exterior, que acabou centralizando os esforços para a realização da Confraternização de 1957. Em 1964, na quinta convenção, a presidência do Escritório (Associação) dos Nikkeis foi assumida pelo governador de Tóquio, que também era presidente da Associação Nacional dos Governadores. E desde então, todos os presidentes da Associação dos Nikkeis são presidentes da Associação dos Governadores, conseguindo assim apoio para angariar verbas em todas as províncias do País. Em 1967, a entidade passou a se chamar Associação Kaigai Nikkeijin Kyokai.  Além da Convenção dos Nikkeis, essa entidade organiza, junto com a Jica, a recepção de bolsistas do mundo inteiro, administra o Museu da Migração de Yokohama (no prédio da Jica), e tem um serviço de atendimento aos trabalhadores nikkeis no Japão, entre outras atividades. É mais fácil entender lendo o mangá do link: http://www.jadesas.or.jp/pt/about/conheca-a-historia-da-associacao-kaigai-nikeijin-kyokai-atraves-do-manga.html

Como foi a 60ª Convenção dos Nikkeis e Japoneses no Exterior

O evento foi realizado em três dias, de 1 a 3 de outubro de 2019, em Tóquio. No primeiro dia, 182 japoneses e descendentes de 19 países e 150 japoneses residentes no Japão participaram da cerimônia de abertura, que teve início pontualmente às 15h30, no salão do Kensei Kinenkai (Museu do Parlamento). Antes, o representante do Havaí proferiu palavras de abertura, o ex-ministro da Terra, Infraestrutura, Transportes e Turismo, e atual vice-ministro chefe de gabinete, Akihiro Nishimura, representando o primeiro-ministro Shinzo Abe, e o brasileiro Renato Ishikawa, presidente da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social foram anunciados para tomarem seus lugares. O casal Imperial, Imperador Naruhito e Imperatriz Masako, são recebidos sob longos aplausos. Geralmente, um membro da família Imperial participa da abertura, porém, este ano, como se tratava da 60ª, a Convenção recebeu essa honrosa presença.

Kamon Iizumi, presidente da Associação Kaigai Nikkeijin Kyokai, que é governador de Tokushima, lembrou que, como governador, mantém contato com as associações nikkeis do mundo todo e que sua província é conhecida pelo Awaodori. 150 anos após os primeiros imigrantes se estabelecerem em Havaí, vários países receberam os japoneses, que se caracterizavam valorização da educação, e essa é uma característica da cultura japonesa. Hoje, são quase 3 milhões de nikkeis. Iizumi afirmou que a primeira Convenção foi para agradecer os japoneses e descendentes que moravam no exterior e ajudaram na fase difícil do pós-guerra.

Akihiro Nishimura leu a mensagem do primeiro-ministro Shinzo Abe, que agradeceu a presença dos japoneses e descendentes que moram fora e estão participando do evento. Em sua mensagem relatou que visitou vários países e viu que os nikkeis são bem sucedidos em seu país, e não esqueceram os valores herdados de seus pais.

Renato Ishikawa agradeceu o apoio do Japão à comunidade nikkei do mundo inteiro. A maior delegação estrangeira no evento foi a brasileira. Foram 60 brasileiros. Os Estados Unidos levaram o segundo maior grupo, com 38 pessoas (sendo 18 somente do Havaí). México veio em seguida com 24, e o Peru com 12. Canadá 8, Indonésia 7, Argentina 6 foram outros grupos. Outros participantes vieram de: Bolívia, Paraguai, Chile, Cuba, República Dominicana, Colômbia, Austrália, Filipinas, Singapura, França, Holanda e Inglaterra.

Um vídeo com a história do evento foi apresentado sendo seguido por mensagens dos nikkeis, também em vídeo (a minha mensagem foi exibida, e muito aplaudida). Um rápido intervalo e às 16h30 começou a palestra do professor brasileiro Ângelo Ishii, que mora no Japão desde 1990.

A comunidade brasileira no Japão

Ângelo Ishii começou explicando que antes se considerava um sansei de kaigai nikkeijin (japonês que mora no exterior), mas hoje se afirma um issei de taizai nikkeijin  (descendente de japonês estabelecido no Japão). O professor apresentou os números do Ministério da Justiça de dezembro de 2018, onde consta a existência de 265.214 sul-americanos morando no Japão, sem incluir aqueles que ganharam a nacionalidade japonesa. Desse total, 201.865 são brasileiros, 48.362 são peruanos, 5.907 são bolivianos, 2.933 são colombianos, 2.428 são argentinos, 2.010 são paraguaios e 1.629 de outros países. Com a Lei de Imigração de 1990, o nikkei ganhou status diferenciado como estrangeiro, mas é difícil determinar com exatidão a data em que começou a imigração dos nikkeis para o Japão (fenômeno conhecido como “decasségui”), pois, ao contrário da imigração do início do século passado, o transporte não acontece mais em grandes grupos de navio. Sabe-se que os primeiros, que chegaram por conta própria, eram isseis, ou seja, nascidos no Japão e radicados no exterior. Eles começaram a “retornar” antes da década de 1980. Antes da Lei de 1990, eram os nascidos no Japão e os nisseis com visto de turista. Todos, no início, se preocupavam em ganhar dinheiro para enviar para o seu país, para ajudar sua família. Era o chamado “decasségui”. Bancos disputavam essas remessas (os maiores bancos tinham mais filiais no Japão do que nos Estados Unidos), surgiram lojas e restaurantes para brasileiros e jornais e revistas em português ou espanhol. Mais tarde, com os filhos nascendo e crescendo no Japão, muitos resolveram se instalar como imigrantes. Compraram casas e foram pedir visto permanente pensando em ficar para sempre no Japão. Se em 1998, apenas 2.644 brasileiros tinham visto permanente no Japão, em 2018 somaram-se 112.934 pessoas, embora isso não signifique que todas essas pessoas pretendam passar os restos dos seus dias no Japão. Hoje, muitos não querem mais se sujeitar ao trabalho pesado e sujo. Houve uma queda no número de nikkeis após a crise econômica japonesa que se seguiu à falência da Lehman Brothers nos Estados Unidos. Muitos perderam empregos e moradia na ocasião e muitos tiveram dificuldade para retornarem ao Brasil.

Em 2011, houve a tragédia do terremoto seguido de tsunami na região Tohoku (Nordeste), e aqui, muitos brasileiros do Japão foram ajudar nos rescaldos na área afetada. Levaram mantimentos ou foram ajudar no resgate dos sobreviventes, ou ainda foram tocar músicas brasileiras para alegrar os alojamentos para onde foram levadas as vítimas que perderam suas casas. O nikkei passou a participar como um integrante do Japão. Voluntários brasileiros foram os primeiros a chegarem na região atingida. Falta ao Japão entender que os nikkeis são uma comunidade presente no Japão e não são exatamente brasileiros.

Por fim, o professor Ishii falou sobre o fim da Era Decasségui e o início da Era dos Radicados no Japão, ou Zainichi Nikkeijin. Os nikkeis já criam empresas e contratam japoneses. Os brasileiros fazem cursos por correspondência morando no Japão e estão se graduando. São fatos pouco divulgados, mas refletem a evolução dessa comunidade radicada no Japão. O cantor Joe Hirata venceu o concurso nacional da TV NHK, retornou ao Brasil, faz shows para a comunidade, mas gravou e divulga a música country. Mas nem tudo são fatos positivos. Infelizmente, já houve até caso de um garoto brasileiro que foi assassinado por seus colegas por discriminação no Japão. Há também casos de crimes cometidos por brasileiros, mas não são muitos.

A palestra do prof. Ishii terminou às 17 horas, e logo em seguida o público foi conduzido para uma outra sala do mesmo estabelecimento, para o coquetel de boas vindas, que terminou às 19 horas.

Segundo dia – painéis de discussão

O segundo dia foi reservado para uma atividade mais intensa, com vários palestrantes e debates. Para quem não quis participar da programação desse dia, os organizadores deixaram a opção de fazer uma visita turística em Koedo, uma cidade que preserva o clima da antiga capital Edo. O tour saiu às 8h50 do hotel oficial do evento, o Monterey Hanzomon, e retornou às 17 horas direto para a recepção do final do dia.

A parte da programação da Convenção propriamente dita, foi realizada no edifício da JICA Ichigaya e começou às 10 horas, com a apresentação da primeira pauta do dia: Os 30 anos de experiência da comunidade nikkei no Japão. Aqui foram apresentados cases da experiência japonesa de receber os estrangeiros descendentes de japoneses. Kotaro Horisaka, professor da Sophia University e diretor gerente da Associação Kaigai Nikkenjin, foi o moderador. Yasuyuki  Kitawaki, reitor da Escola Uminohoshi Gakuin e ex-prefeito da cidade de Hamamatsu, falou sobre a grande comunidade de estrangeiros na cidade e as festas realizadas por eles. Hideto Nagaoka, prefeito da cidade de Izumo, falou sobre o grande número de estrangeiros enquanto a população local está diminuindo. Rosa Mercedes Ochante Muray, professora da Faculdade de Educação da Universidade de St. Andrew, mora em Iga, Mie, onde 1/6 da população é estrangeira (a maioria é brasileira). Ela falou das dificuldades que as crianças enfrentam para aprenderem o idioma japonês, e muitas precisam de apoio especial para acompanhar as aulas, e também que o exame de admissão nos colégios é bastante difícil para um estrangeiro. Por último, Eriko Suzuki, professora da Faculdade de Literatura da Kokushikan University, falou que muitos pretendem continuar morando no Japão, e o governo não está conseguindo atender a todas as necessidades, embora conte com a ajuda de NPOs (Organização Sem Fins Lucrativos). Houve perda de emprego com a crise Lehman Shock de 2008, e muitos não conseguiram recolocação e retornaram ao seu país de origem, outros não estão conseguindo se entrosar com a sociedade japonesa. O debate foi encerrado às 12 horas para o almoço (um obentô) no próprio local.

Relatório da atual situação da comunidade nikkei

Participaram desse painel, que começou às 13 horas e terminou às 15h15, Satoru Sato, conselheiro do Ministério dos Negócios Estrangeiros e responsável pela comunidade latino americana, e o professor Alberto Matsumoto, CEO da Idea Networking Consulting. Aqui foram divulgados resultados de uma pesquisa realizada entre os nikkeis. Interessantes foram os dados de Cuba, uma vez que há poucas informações sobre a comunidade nikkei daquele país. São 1500 os nikkeis cubanos. Desses, 4% estudaram uma vez no Japão, a maioria com a bolsa da JICA. 12% deles já estiveram no Japão (como se trata de uma pesquisa realizada no meio de pessoas ligadas às entidades japonesas, esse percentual se refere apenas a 14 ou 15 pessoas). 62% participam de festas japonesas.  Na Argentina, a mesma pesquisa revelou que: 16% já estudaram no Japão, e 62% já estiveram no Japão! (mais uma vez, trata-se de uma pesquisa seletiva realizada em entidades japonesas). 88% participam de eventos japoneses.

A segunda pauta da tarde contemplou o tema “Como transmitir a tradição através dos museus nikkeis?” O moderador foi Toshio Yanaguida, professor emérito da Keio University. Participaram Sherri Kajiwara, diretora do Nikkei National Museum Cultural Center, do Canadá; Mitsuko Kumagai, diretora geral do Museu de Migração da JICA de Yokohama; Alejandro Kasuga, do Museo de la Immigración Japonesa a México Akane; Abel Fukumoto, presidente da Asociación Peruano Japonesa; e Lidia Reiko Yamashita, presidente do Museu Histórico da Imigração Japonesa de São Paulo.

Sherri Kajiwawa apresentou o seu museu inaugurado em 2000, e que é mantido por doações de particulares e recebe apoio do governo do Canadá. Mitsuko Kumagai afirmou que o Museu da Migração de Yokohama visa preservar a história daqueles que foram morar no exterior, sua comunidade e seu desenvolvimento dentro e fora do Japão. Alejandro Kasuga explicou que o seu museu ocupa um espaço bastante pequeno, por isso, está se preparando para ser principalmente um museu digital, com acesso ao acervo pela internet. Esse museu é mantido pela Fundação Kasuga, que apoia projetos que tenham impacto na sociedade. Abel Fukumoto afirmou que os japoneses, antes mesmo da Segunda Guerra, nos anos 30 sofreram agressão no Peru, e durante a Segunda Guerra foram enviados para os campos de concentração nos Estados Unidos. Lidia Yamashita, do Brasil, falou sobre a inauguração do museu histórico em 1978 e sua evolução, e propôs que fosse realizado um simpósio específico sobre os museus nikkeis, e que o primeiro simpósio poderia ser realizado em São Paulo, em novembro de 2020. Essa ideia foi muito bem recebida por todos os participantes e por isso mesmo foi colocada nos termos da declaração conclusiva da 60ª Convenção. Depois de um intervalo de 10 minutos, começou a terceira pauta da tarde do segundo dia da Convenção.

Cooperação entre a sociedade nikkei – usando network e a identidade

O moderador dessa terceira parte foi o jornalista Yoshinori Nakai, diretor da Associação Kaigai Nikkeijin. Participaram o americano Michael Toshiro Omoto, engenheiro da empresa Mercari; o brasileiro André Saito, representante do Projeto Kakehashi Japão-Brasil; o brasileiro Francisco Noriyuki Sato, presidente da Abrademi – Associação Brasileira de Desenhistas de Mangá e Ilustrações; o indonésio Dimas Pradi, da Japan Indonesia Solutions, o brasileiro Rafael Hiroshi Fuchigami, doutorando no Tokyo College of Music; e a professora japonesa Michiko Sasaki, da J. F. Oberlin University.

Michael (Mike) Omoto já é da 4ª geração, yonsei, nos Estados Unidos. Formado em psicologia, depois estudou engenharia. Ele afirmou que no Japão não existem startups, aquelas empresas que começam do zero e se tornam grandes, embora o primeiro ministro Shinzo Abe tenha dito que quer 20 startups no Japão. Resolveu entrar na Mercari, justamente um negócio desse tipo, para trabalhar no Japão. Ele é a ponte de ligação entre os funcionários da empresa, pois 30 ou 40% deles só fala inglês. A empresa contratou engenheiros do mundo inteiro. Como voluntário, participou da Copani no Peru, e a Copani seguinte foi em São Francisco, cidade onde ele morava. Há muitos casos de nikkeis que fazem sucesso nas empresas, mas no Japão não se ouve falar deles. O Japão já foi líder em tecnologia, mas hoje a América Latina já superou em vários aspectos. Por exemplo, a Mercari foi o primeiro no mercado japonês e hoje existem mais três empresas do mesmo tipo. Na América Latina, a Mercado Livre, que oferece o mesmo que a Mercari, começou bem antes e hoje existem muitas empresas concorrentes.

André Saito falou do Kakehashi Project, que conta com o apoio da Associação Kaigai Nikkeijin e do Bunkyo do Brasil. Eles participaram do 59ª Convenção, que foi no Havaí, e lá tiveram a ideia de montar uma atividade que se trata de gestão de conhecimento. Trata-se de um compartilhamento de conhecimento em grupo. 1 – Storytelling – compartilhar e se conectar com a cultura ouvindo. 2 – Sense – palavras que representam a situação. Compartilhamento em grupos menores de 5 a 7 pessoas. 3 – Mapeamento do contexto –Um grupo de 40 pessoas coletam as palavras e escolhe as mais representativas. Alguns valores aparecem com mais frequência. Esse grupo realizou um evento para mais de 900 pessoas em São Paulo, no Dia Internacional do Nikkei e vem treinando facilitadores para continuar com o trabalho já realizado em diversas associações de nikkeis do Brasil.

Francisco Noriyuki Sato falou sobre o “Mangá e a Identidade Nikkei”. Começou falando dos pioneiros imigrantes no Brasil. Depois de se assentarem, ainda enquanto passavam dificuldades para sobreviverem, construíram escolas japonesas para que seus filhos pudessem estudar. Essas escolas eram também academias de judô, kendô e mais alguma coisa se alguém pudesse ensinar. Quando empresas japonesas começaram a adquirir grandes terrenos no Brasil, os japoneses já passaram a vir como proprietários de terra, formando uma cidade de japoneses. Ali existiam livrarias japonesas e a cultura pôde ser mantida. Isso ficou inviável com o início da Segunda Guerra Mundial, quando os livros, revistas e jornais do Japão foram proibidos. Mesmo os aparelhos de rádio foram confiscados das casas de japoneses, e as escolas tiveram que ser fechadas. Em 1953, no pós-guerra, foi inaugurado o Cine Niterói no bairro da Liberdade, e seguiram outras casas: Cine Jóia, Cine Nippon e o Cine Tokyo. Todos exibiam somente filmes japoneses e até os primeiros animês nas matinés. Como todos os filmes tinham que ter legenda em português, mesmo quem não entendia o idioma japonês podia assistir aos filmes. Mesmo assim, ainda era a cultura japonesa para japoneses e descendentes. Em 1964, a série de live-action National Kid foi exibida. Como a TV só exibia séries americanas, personagem japonês, quando havia, era sempre o vilão ou o cômico, nunca uma pessoa comum. E o National Kid, apesar de ser um garoto propaganda da empresa Matsushita Electric (Panasonic), apareceu como um herói com cara de japonês. Para uma criança nikkei da época, isso tinha um significado muito forte. Um herói japonês. Como tinha grande audiência, pois passava logo depois do campeão de audiência da época, que era o Programa Jovem Guarda, comandado pelo trio Roberto Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, todas as crianças das casas que tinham TV sabiam desse herói. Depois, vieram outros heróis, como o Ultraman, Jaspion e Kamen Rider. E os animês japoneses, como Cavaleiros do Zodíaco, Sailor Moon e Dragon Ball, foram exibidos alcançando grande sucesso. Muitas crianças brasileiras, sem ascendência japonesa, passaram a ver o Japão com bons olhos depois dessas séries. E se hoje, as crianças levam os pais para comerem sushi e lámen, é graças aos animês e mangás. Outro ponto interessante na questão de identidade aparece nos nomes. Metade dos nikkeis da minha geração não possui nome do meio em japonês. No meu caso, Francisco Noriyuki Sato, Noriyuki é claro, é o nome em japonês. Sem ele, seria apenas Francisco Sato. Os pais da época, que eram isseis, em geral, diziam que seu filho não precisava do nome japonês, pois ele iria morar sempre no Brasil. Hoje, ao contrário, praticamente todos os yonseis e goseis (de quarta e quinta geração), mesmo sendo mestiços, possuem o nome em japonês. Muitos deles não possuem o sobrenome em japonês, mas mesmo assim colocaram o nome do meio em japonês. Vi um caso desses no Japão, numa reportagem que falava dos vencedores de um concurso de oratória do curso colegial. Três jovens foram as vencedoras, e uma delas era brasileira. Ela tinha ao todo seis nomes e sobrenomes, os sobrenomes eram em português, mas um dos nomes era em japonês. Sem isso não havia como identificar que era nikkei. Enfim, a preocupação em manter um nome japonês mostra o quanto se valoriza a parte japonesa. Muito diferente da década de 50 e 60, quando os pais da época podem ter crescido sofrendo preconceito do pós-guerra.

Dimas Pradi é um jovem muçulmano da Indonésia, nikkei da quarta geração, que mora no Japão. Ele explicou que o muçulmano tem uma rotina difícil, por exemplo, tem que rezar cinco vezes ao dia, e no ramadan há um regime de dieta, e que no Japão há algo parecido no budismo. Ele atuou como voluntário em eventos de Hamamatsu, onde vivem muitos estrangeiros, e fundou a Coffee House Campur. Hoje mora em Naha, Okinawa, com seus dois filhos. Como o local é turístico, atuou como intérprete para turistas, pois fala fluentemente o japonês. Aqui ele criou a Halal Kitchen Project, para fornecer produtos para a culinária muçulmana e conseguiu um espaço para isso em Shizuoka, e conseguiu ocupar espaços ociosos também em Shiga, onde cultiva soja e produz tempeh, que é um produto dietético à base de soja. Ele é representante da Japan Indonesia Solutions.

Rafael Fuchigami é um curioso caso de um nikkei, que praticava flauta no Brasil e não tinha contato com a cultura japonesa até conseguir uma bolsa para estudar no Japão. Hoje faz doutorado em música na Tokyo College of Music, e sua especialidade é o shakuhachi.  Ele revelou que de 60 pessoas que tocam shakuhachi no Brasil, apenas 21 são nikkeis, tal a difusão desse instrumento musical na sociedade brasileira.

Michiko Sassaki falou da reforma de ensino do Japão, aprovado em junho de 2019, que inclui o ensino do japonês para estrangeiros. Antes, o ensino só contemplava os japoneses. Foi preciso fazer um abaixo assinado para que esse item fosse incluído. A Associação de Ensino do Japonês no Exterior conta com 300 associados, mas o abaixo assinado teve mais de 2 mil assinaturas.

Às 17h10 houve o intervalo para o café, e às 17h30 foi lida um rascunho da Declaração da 60ª Convenção dos Nikkeis, e às 18 horas foi encerrada a sessão, sendo os participantes conduzidos de ônibus para uma recepção oferecida pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros entre 18h30 e 19h30.

Terceiro e último dia – palestras de 5 minutos

O último dia do evento foi também no Kensei Kinenkai, como no dia da abertura. Nesse dia, a pauta foi ouvir o ponto de vista dos nikkeis em relação a Nova Era Reiwa e a comunidade nikkei. Os trabalhos tiveram início às 10 horas.

Sandy Chan, gerente geral do Japanese Canadian Cultural Centre falou sobre “Almejando o progresso da comunidade nikkei”. Masafumi Honda, professor da University of Hawaii at Hilo, falou do trabalho realizado na escavação de túmulos dos antigos imigrantes japoneses cobertos pela lava do vulcão, e o resgate dos valores a partir desse trabalho. Falou também da construção de um dohyo, a arena para a luta do sumô em Havaí. Hitoshi Itagaki, japonês residente no Canadá falou sobre a tecnologia que pode ser exportada para outros países, citando o caso de processamento de grãos de café, cujo trabalho foi desenvolvido em conjunto com uma universidade. Sachiko Kobayashi, do Havaí, disse que trabalha para divulgar as maravilhas do Japão no país onde reside. O pai dela, Kiyoshi Kobayashi, foi um grande mestre do judô em Portugal, país onde ela chegou a morar e estudar. Derek Kenji Pinillos Matsuda é um peruano residente no Japão. Professor da Ochanomizu University Internacional Education Center, Derek falou sobre o aspecto multicultural do nikkei. Por fim, o engenheiro Alexandre Kawase, sansei do Brasil, falou sobre o Kakehashi Project. (Projeto Geração).

Às 10h45, começaram as apresentações dos nikkeis que moram no Japão. Kaiki Okuyama, de 15 anos, estudante do 3º ano ginasial na Escola Opção, mora em Ibaraki e falou sobre “Eu, dez anos depois”. Vinícius Hamaya, brasileiro, também de 15 anos, que estuda o primeiro colegial na Escola Opção, falou sob o mesmo tema. Megumi Yamanouchi P. Mallari, das Filipinas, estudante da Sophia University, discorreu sob o mesmo assunto. Luis Alberto Asato Torres, peruano, estudante de doutorado da Tokyo University of Agriculture e Technology, falou sobre se tornar uma pessoa internacional, educada e conectada com as pessoas. O curioso é que ele nasceu no Japão em 1999. Quando foi visitar o Museu da Migração de Yokohama, aos 10 anos de idade, se sentiu um nikkei e passou a dizer que era um nikkei peruano.

Após as apresentações, o Presidente Executivo da Associação Kaigai Nikkeijin Kyoukai, o ex-embaixador Katsuyuki Tanaka, teceu comentários sobre cada uma das apresentações desses jovens nikkeis. Em seguida, a versão final da  foi lida para o público e aprovada por unanimidade (clique no texto ao lado para ler – versão em inglês). O almoço de despedida foi oferecido pelo presidente da Câmara dos Deputados e terminou às 13 horas.

Assim foi a 60ª Convenção de Nikkeis e Japoneses no Exterior, realizado em Tóquio, em 2019.

Meu comentário pessoal:

Nota-se a preocupação dos japoneses em relação à adaptação e o bem-estar dos nikkeis que moram e trabalham no Japão. Metade desse evento abordou o tema dos que foram como decasséguis e de seus filhos. Na outra metade, falou-se sobre o quê os nikkeis estão fazendo para preservar a cultura japonesa.

Embora não haja uma pesquisa, e isso deveria ser levantado, os nikkeis compõem uma camada privilegiada da população mundial. Possuindo duas culturas, consegue ter ideias diferentes da convencional. Creio que em termos de escolaridade, os nikkeis na média estudam muito mais do que os seus colegas não nikkeis. Em geral, se formam em universidades e muitos continuam estudando por muitos anos. Os nikkeis que possuem curso superior completo devem somar 60% de todos os nikkeis, um índice altíssimo, semelhante ao do Japão. Mesmo em termos de renda, não devem estar abaixo da média dos japoneses, que hoje trabalham muito e ganham pouco.

A impressão geral do evento é de confraternização. Há momentos mais solenes, como na abertura com a presença do Casal Imperial, mas em geral prevalece um clima descontraído entre os participantes. É interessante que uma pessoa que sempre morou nos Estados Unidos e uma outra que mora nas Filipinas ou no Brasil tenha tantas coisas em comum, pelo fato de serem nikkeis. Eu acho que todos os descendentes deveriam participar, para conversar e compartilhar nossas experiências tão ricas com outros nikkeis.

Duas semanas depois do final do evento, eu recebi um formulário para fazer comentários. Creio que todos os participantes tenham recebido. Eu sugeri que a cada ano se escolhesse um país participante, para que ela possa apresentar sua cultura, expor suas artes e produtos mais típicos para todos conhecerem. Como é um evento com uma grande presença da mídia, seria também uma propaganda dos produtos daquele país. Poderia também reservar os dois almoços para servir alimentos típicos daquele país. Por exemplo, se o Brasil for escolhido, mandioca frita, tapioca, pão de queijo, pastel, suco de goiaba, de maracujá, de acerola num dia. No outro dia poderia ser feijoada e caipirinha. Isso seria cobrado dos participantes para pagar as despesas do material e de transporte. Seria uma atração a mais para o evento. Sei que dá bastante trabalho, mas se são 19 países, o trabalho será uma vez a cada 19 anos.

Há coisas que podemos fazer para ajudar o Japão. Sim, ajudar o Japão, mas esse é um outro assunto para uma outra matéria. Obrigado por ter lido até aqui!

Francisco Noriyuki Sato – Jornalista e professor de História do Japão.