mar 242020
 

São 1.089 casos confirmados do novo coronavírus e 41 óbitos no Japão, segundo dados de 23 de março da World Health Organization (OMS). Os números são pequenos, se comparados com 59.138 casos na Italia, com 5.476 mortos; e 31.573 casos e 402 mortos nos Estados Unidos (dados da OMS em 23/3/2020). Apesar do Japão ser um dos primeiros a ser atingido pelo vírus fatal, e ser o primeiro a pedir para as escolas anteciparem as férias, não houve quarentena em nenhuma cidade, e agora, algumas escolas já voltaram a funcionar. O que esse país fez de diferente para ter esse resultado?

© Akaitori

Talvez os hábitos da população. Nunca entrar com o sapato para dentro da casa é um desses hábitos. É costume tirar os sapatos também ao entrar nos templos, nas empresas e nas escolas (exceto nas universidades).

Pouco se fala a respeito disso, mas verificou-se na Europa, que há idosos que nunca saíram de casa, entretanto, foram infectados pelo Covid-19. Seus filhos e cuidadores, que levam comida para eles fazem tudo direitinho, passam álcool gel nas mãos, ficam longe do idoso e tomam o cuidado de limparem as maçanetas e os corrimãos da casa. Só não tiram o sapato. E aqui está um problema.

Há pessoas que cospem, vomitam e jogam bituca de cigarro no chão, e cachorros e gatos urinam e fazem fezes na rua. Quem pisa na calçada e entra em casa, está levando essa sujeira e os vírus para dentro. O idoso pode não ter contato com o chão, mas se ele se sentar no mesmo sofá onde sentou um neto, que acabou de pegar a bola do chão, já é possível que ele seja contaminado.

Uma dica prática é tirar e deixar os sapatos na entrada, e ter um chinelo para andar dentro da casa. Uma toalha umedecida com água sanitária dissolvida com bastante água e colocada no chão, pode ser uma solução para eliminar o vírus da sola do sapato. O cloro da água sanitária é mais eficiente que o álcool de 70º, dizem os especialistas.

O costume de tirar os sapatos

No passado, na Era Jomon, os ancestrais dos japoneses moravam em cabanas, onde se cavava um buraco circular no chão, com profundidade aproximada de 40 cm e estacas de madeira eram colocadas (formando um cone) e cobertas com palha ou outra vegetação seca. Mantendo-se aceso o fogo na parte central, a família se acomodava confortavelmente apesar do frio. Quando começaram a cultivar o arroz, foi necessário construir depósitos para conservar o alimento no inverno. Esses ficavam numa plataforma um pouco elevada por causa da ventilação e para não pegar umidade.

© Andrea Hale

O ser humano passou a construir sua casa também sob uma plataforma quando começou a utilizar assoalhos de madeira ou tatame. Os calçados, geralmente cheios de terra, não podiam ficar do lado de dentro da casa porque o tatame é difícil de limpar. Assim, começaram a reservar um espaço na entrada para tirar e deixar o calçado.

Conhecido como “genkan”, no local pode ter um armário para guardar sapatos e fica sempre um ou dois degraus abaixo do nível do restante da casa. O entregador dos correios ou qualquer pessoa que vá entregar ou retirar alguma coisa fica no “genkan” e não sobe aquele degrau da casa. É por isso que as portas são abertas sempre para o lado de fora no Japão (se abrisse para dentro poderia machucar alguém que está no “genkan”).

Casas ficam numa plataforma acima do nível do chão ©Kentaro Ohno

Acredita-se que o hábito de se deixar os calçados do lado de fora seja muito antigo, e nos desenhos da Era Heian é possível perceber que não era comum as pessoas serem convidadas a subir na “plataforma” das casas. Ser convidado para entrar era uma honra e não se podia levar sujeira para dentro da casa diante da gentileza do dono da casa em permitir entrar. A cultura japonesa de se sentar e dormir sobre um “futon” colocado diretamente no tatame, em parte por causa dos terremotos, pode ter a ver com esse costume de manter o chão sempre limpo. 

© Masaki Shiina

Até as casas atuais possuem o “genkan”, mesmo que seja ele minúsculo e todos os aposentos da casa serem ocidentais, com cadeiras e camas. E quando alguém convida para entrar, é dito “agattekudasai”, que significa: “suba, por favor”.

Tradução do título em japonês: 靴を脱ぐ習慣は日本人の命を新型コロナウイルスから救っているかもしれない。

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  6 Responses to “O hábito de tirar sapatos pode estar salvando vidas do Covid-19 no Japão”

  1. Excelente artigo, rico em detalhes, história. Omedeto gozaimasu!

  2. Hábito que podia ser adotado em todos os lugares.
    Não é fácil mas possível. Tenho familiares que praticam esse bom acesso à casa.

  3. Esse hábito eu já os práticos em minha residência é questão de acostumar.
    Tenho até uma sapateira na entrada de com alguns chinelos caso a visita assim o desejar usá-lo..
    Não obrigo a tirar os sapatos , mas eu entro sem os meus.
    Assim você deixa todas as impurezas da rua fora da sua casa.

  4. Não tenho parentesco com orientais, muito menos japoneses. Porém meu pai nos ensinou, a mim e meus irmãos, a deixarmos os calçados da rua do lado de fora dr casa. Então temos esse hábito há anos. Meu pai tbm já tem o hábito de tirar as roupas que usou na rua assim que chega. Coloca no varal para ventilar ou tomar sol. Hábito agora necessário a todos, em época de Covid19.

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